A "era pós sanções" começa em Janeiro no Irão

Quando o acordo sobre o nuclear for aplicado, o Irão regressa ao tabuleiro da geopolítica do Médio Oriente e abre-se um importante mercado na região. As empresas já fazem contas aos lucros mas o primeiro a chegar a Teerão é o vice-chanceler alemão.

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Mohammad Zarif foi recebido em Teerão como um herói ATTA KENARE/AFP

"Quatro meses" — é o tempo de que o Irão precisa para aplicar as decisões com que se comprometeu no acordo de controlo nuclear que assinou com seis potências mundiais. "Vamos aplicar as medidas e eles farão o mesmo", disse, à chegada a Teerão nesta quarta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Teerão, Mohammad Zarif. "Essa tarefa demorará quatro meses", acrescentou.

O timming coincide com o calendário "provável" que a agência noticiosa AFP avançou, depois de avaliar o acordo assinado terça-feira entre o Irão e o grupo 5+1 (Estados Unidos, Reino Unido, China, França, Rússia mais Alemanha; potências nucleares e membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas). A aplicação dos termos do documento deverá estar concluída em Novembro, diz a AFP, altura em que começa a última fase dos trabalhos para, em Janeiro de 2016, começar a "era pós sanções", como lhe chamou na edição desta quarta-feira o jornal económico iraniano Donyaye Eqtesad.

Esta quarta-feira, toda a imprensa iraniana tinha o acordo na primeira página. E, na maior parte dos jornais, o tom era de festa e de triunfo. "O mundo mudou", escreveu o Etemad, jornal reformista que classificou o que aconteceu em Viena como a "revolução diplomática de 14 de Julho de 2015". Já o Ghanoon anunciava que "o cerco de 12 anos ao Irão foi levantado".

Todos os jornais reformistas ou não conservadores reflectiam também o ambiente que se viveu na noite de terça-feira em Teerão, onde uma multidão celebrou o acordo e gritou o nome do ministro dos Negócios Estrangeiros — a população chamou-lhe "herói". O jornal Ebtekar decidiu homenagear Zarif com uma primeira página com uma foto-montagem de metade do rosto de Zariff e metade da cara de Mohammad Mossadegh, que foi primeiro-ministro (democraticamente eleito) e faz parte do panteão de heróis iranianos pois nacionalizou o petróleo; depois, em 1953, foi deposto num golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.

No lado da imprensa conservadora, o Kayhan, muito crítico em relação a estas negociações, levantava dúvidas e sublinhava que os presidentes americano e iraniano, Barack Obama e Hassan Rohani, têm inetrpretações diferentes sobre o que está escrito no acordo. Ainda mais céptico, o jornal ultra-conservador Vatan-e-Ermooz pôs na primeira página a frase "À espera de ser aplicado" e falava com desconfia dos objectivos dos EUA.

Zarif quis dar um tom cem por cento optimista não só ao calendário de aplicação do acordo como à questão da confiança em relação aos países que co-assinaram o documento. O mesmo fez Rohani, que na televisão estatal explicou que o Irão vai beneficiar do acordo de Viena em muitas frentes. "Ninguém vai dizer que o Irão se rendeu. O acordo é uma vitória legal, técnica e política para o Irão. E o Irão nunca mais será chamado de ameaça mundial", disse.

O documento pôs fim a mais de uma década de negociações que, da parte das potência nucleares, pretendia impedir que Teerão conseguisse fabricar uma bomba nuclear (apesar de o Governo iraniano sustentar desde sempre que o seu programa tem fins exclusivamente civis). Da parte iraniana, tratava-se de poder continuar com esse programa, numa escala menor e vigiada pelas instituições internacionais, e acabar com o isolacionismo que asfixiou a economia do país e o fez desaparecer do tabuleiro geopolítico do Médio Oriente, a que também regressa num momento de muitas guerras e indefinições políticas.

"O acordo é perfeito — disse Rohani na televisão —, deve haver sempre compromisso".

Para já, a diplomacia prossegue. Nesta quarta-feira, o chefe da diplomacia britânica, Philip Hammond, disse no Parlamento de Londres que o seu Governo está comprometido com a reabertura de embaixadas entre os dois países — as relações diplomáticas romperam-se e os edifícios foram fechadas depois do ataque à embaixada britânica em Teerão, em Novembro de 2011.

Nos próximos meses, vai-se assistir também a um vai-vem de dignitários entre as capitais mundiais e Teerão. O fim das sanções e embargos significará a reabertura de um importante mercado. Espera-se um boom de negócios e investimentos, que o Governo de Teerão terá que gerir com grande cautela, dizem os analistas, aprovando reformas relativas ao comércio e ao investimento estrangeiro de forma a beneficiar da abertura ao mundo mas não desestabilizando a frágil economia nacional. O Irão irá também voltar a ter acesso a cem mil milhões de dólares que estão congelados no estrangeiro.

"O acesso a estes bens significa uma grande oportunidade se este dinheiro for bem aplicado, se houver erros os danos podem ser maiores do que os causados pelas sanções", disse à Reuters Yahya Ale-eshagh, presidente da Câmara de Comércio, Indústria Minas e Agricultura. "O Irão não se vai transformar no Jardim do Éden com o fim das sanções".

A agência Reuters relata, a partir de Washington, que mal o acordo de Viena foi anunciado os advogados especializados em empresas e negócios foram inundados de telefonemas de administradores desejosos de saber se o documento de 159 páginas significa grandes oportunidades para os seus negócios. "A resposta, para a maior parte deles, e para já é: nem por isso".

O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, esperava ser um dos primeiros e disse que aceitou o convite que Zarif lhe fez durante as negociações para visitar o Irão — irá "em breve". Porém, foi ultrapassado. O vice-chanceler alemão anunciou esta quarta-feira que vai a Teerão já no domingo  — a indústria automóvel alemã está desde 2013 a posicionar-se para dominar este mercado quando as portas se abrirem, havendo desde então uma guerra de bastidores entre a Peugeot Citroen e a Volkswagen.

Noutro segmento de mercado, o Governo de Moscovo anunciou que também já decorrem negociações com Teerão para o fornecimento de aviões de passageiros e de outra tecnologia. "As negociações decorrem com os nossos camaradas iranianos", disse o ministro russo dos Transportes, Maxim Sokolov.

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