Acordo do Porto chega aos 40 milhões de euros e põe fim a contenciosos antigos

Rui Moreira recebeu esta quarta-feira à tarde Pedro Passos Coelho nos Paços do Concelho.

Foto
A Câmara do Porto reclamava uma indemnização pelos terrenos que comprara, na década de 40, para a construção do aeroporto de Pedras Rubras Adriano Miranda

É uma espécie de reset entre a Câmara do Porto e o Estado, como definia, na tarde desta quarta-feira, um responsável da autarquia. No acordo anunciado nos Paços do Concelho, e a que o presidente da câmara, Rui Moreira, chamou “Acordo do Porto”, o município e o Estado põem fim a uma série de contenciosos entre ambos, que se arrastavam há anos. Tudo a troco de cerca de 40 milhões de euros, que incluem os cinco milhões de euros com que o Governo se comprometera a financiar a Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) ao longo de cinco anos. A câmara vai avançar com a construção do interface de Campanhã, que será pago pelo município.

O anúncio foi feito por Rui Moreira, sob o olhar atento do primeiro-ministro Pedro Passos Coelhos. “Este acordo”, disse o autarca, “indemniza a cidade pelos terrenos do Aeroporto [Francisco Sá Carneiro], acerta contas quanto a diferendos antigos a respeito da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, quanto a valores devidos à Metro do Porto e ao financiamento da Sociedade de Reabilitação Urbana que, doravante passará a ser detida a cem por cento pelo município. Este acordo abre ainda portas à construção do terminal intermodal de Campanhã, prometido à cidade pelo menos desde 2003, e que, agora, vai finalmente sair do papel”.

Na prática, dos cerca de 40 milhões que totalizam o acordo, mais de 35 milhões saldam dívidas ou indemnizações requeridas pela câmara ao Estado e vice-versa. Está ali incluído o valor a que o município dizia ter direito pelos terrenos da Maia, comprados pela autarquia na década de 40, para a construção do aeroporto, e cujo processo, agora extinto, corria em tribunal. Está também o valor que a câmara reclamava pelo património da STCP, antiga empresa municipal nacionalizada depois do 25 de Abril. E está também fechada qualquer conta por saldar relativa à Ponte do Infante, até ao final de 2014. Por outro lado, o Estado considera também saldados os valores reclamados pela Metro à câmara pelas obras de requalificação da Avenida da Boavista e pelo levantamento dos carris no viaduto do Parque da Cidade.

Rui Moreira demonstrou a sua “satisfação”, pelo resultado de uma “negociação dura, mas sempre leal”. E se o autarca salientou essa postura do primeiro-ministro, também não deixou de lhe dizer: “O Porto não deve agradecer o que é de direito e o que lhe pertence por elementar justiça e mérito.” Passos Coelho salientou a importância de “conseguir encerrar o que eram contenciosos antigos”, afirmando: “Às vezes, já ninguém sabe quem tem razão. As opiniões cristalizam-se e é muito difícil de qualquer dos lados encontrar bons argumentos. Foi uma oportunidade que se abriu e com a persistência e a insistência do senhor presidente da Câmara do Porto conseguimos dar esse passo”.

Os cerca de 35 milhões não vão ser entregues à câmara na forma de um cheque, mas serão utilizados no abate da dívida do município. “Isto atira a dívida da câmara para valores baixíssimos e deixa-a com uma enorme capacidade de endividamento”, disse um porta-voz da autarquia. A folga e o facto de a Refer ir ceder ao município os terrenos necessários em Campanhã, levaram Rui Moreira a declarar que a câmara vai avançar com a construção do há muito reclamado terminal intermodal, assumindo os respectivos custos. Ao PÚBLICO, Rui Moreira especificou que o passo seguinte será reunir com a STCP e a Metro do Porto e olhar para o projecto do interface, do gabinete Castro Calapez Arquitectos. “Vamos ver o estado do projecto, se é preciso fazer alguma alteração, para avançar com a obra. Eventualmente, iremos apresentar uma candidatura a fundos comunitários”, disse.

O primeiro-ministro saudou o anúncio de Rui Moreira, argumentando: “O interface de passageiros em Campanhã é muito importante, não apenas para poder reabilitar aquela zona da cidade, mas para permitir uma fluidez que ainda hoje não foi possível observar por ausência dessa infraestutura”.

SRU municipalizada
A última vertente do Acordo do Porto diz respeito à SRU e prevê a municipalização daquela estrutura. O Governo compromete-se a cumprir o financiamento previsto no memorando de entendimento assinado em Maio de 2014, injectando na SRU cinco milhões ao longo dos próximos cinco anos, mas sai definitivamente da estrutura accionista da empresa pública, cedendo à câmara, por um euro, os 60% que detinha. Uma mudança que deverá ser formalizada na próxima Assembleia Geral.

Para Rui Moreira o facto de o Estado conseguir o que há muito ambicionava – deixar de ser accionista da SRU – não deve ser visto como um problema para o futuro, mas como uma oportunidade. “O que estava em causa era um processo de liquidação da SRU, ao fim dos cinco anos. Com este acordo, o Governo não só mantém o apoio previsto como toda a decisão passa a ser do município. Vamos poder utilizar a SRU como um instrumento estratégico para continuar com o trabalho no centro histórico, mas também para agir nas outras ARU [Áreas de Reabilitação Urbana], sobretudo em Campanhã, Lordelo e na Baixa”, disse o autarca ao PÚBLICO.

Negociações longas
Em Maio, a Câmara do Porto já manifestara a expectativa de fechar um acordo com o Governo ainda durante esta legislatura, depois de Rui Moreira ter garantido, durante uma intervenção na assembleia municipal, que o interface de Campanhã seria feito com ou sem o apoio do Estado central, mas nunca sem que a autarquia libertasse o poder central das responsabilidades neste processo, bem como nos três grandes dossiers sobre os terrenos da STCP, o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e o metro. Moreira disse, então, que estava a ser negociada uma “solução global” que permitisse desbloquear todos estes processos.

Na altura, em declarações ao PÚBLICO, a autarquia dizia que a única coisa que estava por definir, nas negociações que se arrastavam directamente com Pedro Passos Coelhos, desde que Rui Moreira assumira a presidência da câmara (depois de terem sido iniciadas ainda no tempo de Rui Rio), era o valor que seria entregue pelo Governo ao município. Em Agosto de 2014, quando a autarquia exigiu que o processo de compensações fosse fechado antes da concessão da STCP e do aeroporto, os valores que vieram a público rondavam os 50 a 60 milhões de euros, mas em Maio deste ano a câmara garantia que o valor que estava a ser negociado era inferior.

A cerimónia desta quarta-feira não contou com a presença do vereador socialista Manuel Pizarro, com a bancada do PS no executivo a ser representada pelo vereador do Urbanismo, Correia Fernandes. Ao mesmo tempo que Pedro Passos Coelho se dirigia à sala, a concelhia do Porto do PS emitia um comunicado defendendo que o acordo agora conseguido tem um atraso de três anos e que este atraso “representa uma profunda discriminação contra o porto, que só foi ultrapassada graças à proximidade das eleições e à firmeza e capacidade negocial do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira”.

Argumentando que o Porto continua a ter “profundas razões de queixa” do “centralismo e incompetência do Governo PSD/CDS-PP”, os socialistas lembram que há dossiers por resolver – como a reestruturação do sector das águas e a concessão dos transportes colectivos – e que vão manter “o apoio à luta de Rui Moreira e da Câmara do Porto” nestas matérias.

 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários