A história do Não que é um Sim

Saibam as pessoas que fazem a política entender a mensagem dos gregos

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Phil Noble/Reuters

Não, isto não é um texto sobre a Grécia. É um texto sobre todos nós, que somos gregos de herança. Este passado que carregamos hoje como se de um fardo se tratasse, foi outrora berço e ideal de democracia e filosofia e política e ????p? (Europa). E esta Europa, ali nascida, ali construída, ali mitificada, cresceu apesar das veias abertas e ardentes que nela pulsaram durante séculos e séculos. Esta Europa, que foi fratricida por mais de dois milénios, ergueu-se das cinzas e enterrou as diferenças para se unificar no que de mais encontrou em comum. Desses pontos comuns sobressaíram, que nem fénix, a democracia, a paz e uma identidade suficientemente forte para levar à construção do mais ambicioso projeto político jamais tentado neste nosso continente.

Hoje, na pressa mediática, na pressão constante do acontecimento que não alcança relevância suficiente para sequer se transformar na espuma dos dias, vemos as imagens que nos chegam dessa capital original da Europa, empoladas pelos comentários redutoramente maniqueístas, das filas de pessoas que aguardam um sinal que não seja o que tem marcado as suas vidas recentes. Esperam pela esperança, numa redundância que tem tanto de literal quanto tem pouco de realidade, porque a esperança tarda em aparecer.

Os sinais dessa Europa real, pautada pelo inevitável, pela retórica da ausência de alternativas, têm continuamente empurrado a Grécia para a parede mais funda de uma Caverna escura, onde a pouca luz que parece lá entrar, apenas reflete o mais horrendo dos passados que, mais que esquecer, todos pensávamos ter ultrapassado.

Para fazer frente a esse passado de cruzes entrelaçadas em fundos vermelhos que ameaça invadir o presente, e para construir o seu futuro sob os auspícios de uma luz de esperança, a Grécia rompeu com as ameaças, mesmo as mais altas e graves e profundas, e refundou-se no que de mais belo pôde um dia inventar. Acossada por vozes autoritárias, revestidas da enorme sapiência dos cargos que autocraticamente julgam exercer, a Grécia recorreu à Democracia e deu ao seu povo a hipótese de decidir o seu destino. A mensagem clara, que ecoou retumbante sobre a acrópole europeia, fez tremer as heras que parecem insistir em trepar sobre as fundações democráticas desta União. A mensagem, inequivocamente política, disse-nos que não é na ida e vinda do chicote que folgam as costas; é na solidez da fibra de quem sabe que o tempo é o pai de todos os deuses e que os deuses só protegem os audazes.

Os gregos, audazes, disseram-nos que a política são as pessoas. Saibam as pessoas que fazem a política entender a mensagem dos gregos. Se a austeridade nos tirou o chão onde julgávamos assentar, se nos levou a riqueza que mais estimámos porque resultou do nosso suor, se nos fez voltar costas aos nossos irmãos europeus e nos deu a conhecer a pior face da desconfiança e da xenofobia, aproveitemos a fibra helénica para não deixarmos que nos retirem aquilo que, ainda há bem pouco tempo lográmos recuperar. Não deixemos que a austeridade nos roube a democracia e a liberdade. Não deixemos que a austeridade nos retire Abril.

PS: este artigo foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico de 1.100 a.C., sem o qual nunca teria sido possível utilizar uma parte considerável do vocabulário aqui vertido. Assim o saibamos preservar.

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