Mudar é (im)possível

Os que passam o tempo a dizer-nos que as mudanças individuais são possíveis são exactamente os mesmos que nos querem fazer acreditar que as transformações colectivas são impossíveis.

Os que passam o tempo a dizer-nos que as mudanças individuais são possíveis são exactamente os mesmos que nos querem fazer acreditar que as transformações colectivas são impossíveis. 

À segunda, individualmente, dizem-nos com um sorriso: se quiser mudar de vida seja empreendedor, aventure-se, tenha ideias fora da caixa, não receie utilizar a imaginação, seja radical, altere a sua realidade porque não será o Estado que o fará por si, basta acreditar em você mesmo.

À terça, para o colectivo, dizem-nos, como fizeram agora aos gregos, com semblante carregado: ajustem-se mas é à realidade, só existe a via que nós delineámos, não queiram colocar-nos em causa, não se metam em aventuras, o desconhecido é perigoso, parem lá de sonhar, as coisas são o que são e não vale a pena sequer tentarem um caminho diferente.

E aqui andamos, entre estas duas ficções paradoxais, encaradas como se fossem verdades inequívocas, transformadas em bengalas da ideologia dominante, que assim paralisa qualquer hipótese de discussão.

A iniciativa individual não é em si um problema, apesar de não ser empreendedor quem quer, mas quem pode, mas passa a sê-lo quando se torna ideologia do poder. Em tempo de desemprego e desigualdades tornou-se no bálsamo que tudo resolve e o pensamento hegemónico, claro está, agradece, descartando-se o mais possível de obrigações, legitimando dessa forma o bloqueio social.  

A vontade individual de mudar é enaltecida, mas desejar mudanças colectivas, como os gregos, é encarado como perturbador. A não ser que seja uma actuação colectiva caritativa – mais facilmente a União Europeia se poria de acordo em ajudar um país a pedir esmola de chapéu na mão do que um governo que solicitou solidariedade activa, com responsabilidades partilhadas, onde a reestruturação da dívida funciona como pré-requisito para as reformas necessárias e não como prémio.

Não espanta o desencontro entre o Governo da Grécia e as instituições monetárias europeias. Os primeiros enunciam que a saída para o seu problema, e da Europa, só pode ser político, enquanto os segundos, adoptando na aparência um ponto de vista administrativo, acusam de imediato os primeiros de renegarem soluções contabilísticas ou técnicas. E daqui não se sai.

E não se sai por responsabilidade desta Europa, incapaz de deixar a sua inércia, sem conseguir ensaiar um novo começo, num processo de suspensão da própria democracia, impondo a ficção da austeridade, que só por si nada resolve, sem sequer abrir espaço à discussão, com o argumento ardiloso de que aquilo que tem sido feito não é o ideal mas é o menos mau.

Como é evidente ninguém tem soluções de bolso para os problemas complexos que se enfrentam, mas instalar-se a ideia de que não existem alternativas, de democracia e de liberdade, individuais ou colectivas, ao que temos neste momento, é o contrário de pensar activamente. A questão grega é apenas um sintoma. Está mais do que na hora desta Europa se colocar seriamente em causa. A mudança também é isso.

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