Banco de Portugal avalia idoneidade de administradores do Montepio

O presidente do Montepio Geral, Tomás Correia, diz que desconhece qualquer acção do supervisor e que não foi notificado.

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Banco de Portugal recusou-se a comentar ”investigações” em curso Daniel Rocha

No quadro dos processos de investigação à Caixa Económica Montepio Geral, o Banco de Portugal (BdP) abriu processos de reavaliação da idoneidade da actual equipa liderada por Tomás Correia para o exercício de funções em sociedades financeiras. A acção do BdP, que está a escrutinar também a intervenção de Almeida Serra, o gestor com o pelouro da análise de crédito e da gestão risco, inscreve-se no braço-de-ferro que existe entre supervisor e regulado com vista à clarificação da governação do grupo mutualista.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a abertura de processos de contra-ordenação a membros da equipa de gestão da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) – o braço financeiro da Associação Mutualista Montepio Geral –, que terão já levado à reavaliação da idoneidade enquanto gestores financeiros, fonte oficial do BdP disse que não comentava ”investigações” e “processos de contra-ordenação” em curso. Já o porta-voz da CEMG garante que Tomás Correia "não foi notificado" e que "não existem contra-ordenações abertas contra a gestão" executiva.

No entanto, um responsável da autoridade liderada por Carlos Costa confirmou ao PÚBLICO que está a ser avaliada pelo BdP a concessão do registo da idoneidade de alguns gestores do grupo mutualista, para que possam desempenhar funções em entidades financeiras participadas. E que a decisão está dependente dos esclarecimentos que vierem a ser dados às questões enviadas a Tomás Correia. Se as conclusões do BdP não forem favoráveis aos visados, estes deixam de poder ter assento em órgãos sociais de sociedades do sector. A mesma fonte da CEMG adiantou que "todos os pedidos de informação têm tido respostas completas e atempadas e que esses pedidos de esclarecimentos são desejados para que o Montepio Geral possa ter uma fiscalização preventiva."  

Actualmente estão, aparentemente, em curso mudanças na governação da entidade bancária impostas pelo BdP, que impede que a associação mutualista (a cabeça do grupo) e o banco partilhem a mesma gestão como acontece hoje. O actual presidente executivo da Inapa, José Félix Morgado, é o nome indicado para substituir Tomás Correia à frente da CEMG, sendo que este último já manifestou intenção de continuar a presidir à Associação Mutualista (dona da Caixa Económica).  

No centro das preocupações do regulador estão matérias que têm vindo a ser divulgadas pela comunicação social desde 2012 e que culminaram, em meados do ano passado, numa auditoria forense ao grupo a cargo da Deloitte. A auditora procurou apurar se as boas práticas na concessão de crédito foram garantidas, o que levou a que as decisões de José Almeida Serra, o gestor com o pelouro da análise de crédito e da gestão risco, tivessem sido escrutinadas. Entre 2013 e 2014, a CEMG assumiu prejuízos de 485,5 milhões e foi obrigada a constituir provisões de 643 milhões.  

Na mira do supervisor estiveram já financiamentos concedidos a empresas da esfera do Grupo Espírito Santo (GES) liderado por Ricardo Salgado, num quadro financeiro de aperto. Entre Dezembro de 2013 e Junho de 2014, a CEMG emprestou ao GES, em três tranches, cerca de 150 milhões de euros. Operações que já obrigaram à constituição de provisões para cobrir riscos potenciais de incumprimento de pagamentos. A exposição directa e indirecta da CEMG às áreas financeira e não financeira do GES pode ultrapassar os 200 milhões de euros, isto por existir mais risco nas seguradoras e fundos de investimento na entidade mutualista.

A equipa de supervisão do BdP procura ainda garantir que foram seguidos procedimentos correctos nas relações comerciais com os clientes, nomeadamente, com Paulo Guilherme, filho do construtor José Guilherme que “ofereceu” a comissão de 14 milhões ao ex-presidente do BES. Em cima da mesa está um crédito concedido a Paulo Guilherme via Finibanco Angola (comprado pelo Montepio em 2010) e que se suspeita de ter sido usado para o cliente investir no Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral, criado em Dezembro de 2013, para ajudar o banco a reforçar o seu capital (de 1500 milhões).

Constituído por Unidades de Participação (UP) no valor de 200 milhões, este fundo foi colocado junto de clientes de retalho. Para além da participação qualificada de Paulo Guilherme, investiram neste veículo Eurico Brito, angolano, e a Visabeira (parceiro do BES na PT). Na prática, Guilherme, o investidor angolano Eurico Brito e a Visabeira são “accionistas” indirectos do banco CEMG. A opção por criar o fundo fez com que pela primeira vez, em 176 anos, a Associação Mutualista (a cabeça do grupo Montepio Geral) deixasse de ser detentora a 100% do capital da CEMG.

Se as inspecções forenses (que o BdP e Tomás Correia preferem classificar de especiais) apontarem para suspeitas de ilícitos criminais, actos de gestão imprudente ou de dolo, haverá comunicação ao Ministério Público. 

A grande instabilidade que tem rodeado, nos últimos dois anos, a gestão do grupo mutualista teve repercussões na rede comercial que, nos últimos meses, assistiu a levantamentos de fundos em larga escala, situação que está a ser acompanhada pelas autoridades. Já os associados da Associação Mutualista, que totalizam 650 mil, temem uma contaminação do risco CEMG à área não financeira do grupo, que tem sido "a caixa mealheiro" da CEMG.

Montepio integra o sistema GES
Foi a partir da crise financeira de 2008 que o BES se assumiu como o banco de referência do grupo liderado por Tomás Correia. E a Caixa Económica passou a integrar o designado “sistema Espírito Santo” formado pelo GES, pela PT, pela Ongoing e Visabeira.

O primeiro indício de um bom entendimento entre os vários parceiros surgiu em 2009 quando o PÚBLICO revelou que, no final de 2008, a associação mutualista aplicara, via Caixa Económica, mais de 40 milhões de euros de poupanças de associados em veículos de risco da Ongoing, com sede no Luxemburgo. Apesar da afectação dos fundos mutualistas à Ongoing ter gerado grande controvérsia pública as autoridades de supervisão (BdP e CMVM) consideraram o investimento normal e não avançaram com averiguações. E a relação foi-se alargando com novos créditos. 

E em 2013, a CEMG surge a financiar em larga escala as empresas do GES, sem condições de ir ao mercado levantar fundos. Os apoios financeiros possibilitaram às empresas GES/Ongoing continuarem a actuar nos mercados sem recorrer a endividamento bancário (que a partir da crise de 2008 se tornou escasso e mais escrutinado). Em simultâneo a Ongoing foi também levantar fundos ao BES (180 milhões) e ao fundo de pensões (75 milhões) da PT (que tinha como accionistas o BES, a Ongoing e a Visabeira), chamado igualmente a salvar a Rioforte/ESI comprando divida de 897 milhões de euros. Em 2014, o BES, a PT e a Ongoing colapsaram. E a CEMG foi obrigada a reconhecer elevadas imparidades relacionadas com a exposição a estes activos.

A 24 de Novembro de 2012, o PÙBLICO noticiou que um administrador do Finibanco Angola tinha denunciado ao BdP "factos anómalos" e solicitara a intervenção urgente junto da CEMG, o accionista de referência do Finibanco.

Na quinta-feira ficou também a saber-se que a CMVM está a fazer uma acção de supervisão presencial no Montepio “que foi classificada” por Carlos Tavares de “normal, inserida no plano de acções de supervisão de rotina programadas para este ano" e que envolve 12 empresas.

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