Serralves reivindica as peças entregues pela SEC ao Museu do Chiado

Não é claro o que terá levado Barreto Xavier a reverter uma decisão própria com pouco mais de um ano.

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O presidente da Fundação de Serralves diz ter alertado a tutela para a posição da instituição no ano passado Adriano Miranda

Há um ponto em que o presidente da Fundação de Serralves, Luís Braga da Cruz, é absolutamente claro e frontal: “Serralves não gostou que a colecção de Serralves se chamasse colecção do Museu do Chiado.” Começa a esclarecer-se o braço-de-ferro que quarta-feira levou à demissão de David Santos da direcção do Museu do Chiado – a consequência de uma batalha de bastidores que agora vem à tona e que tem ao centro a parte da Colecção SEC em depósito no Museu de Serralves.

Por telefone, ao PÚBLICO, Braga da Cruz limita-se a clarificar a posição da fundação em relação a esse núcleo composto por centenas de obras de arte datadas da década de 1960 em diante, propriedade do Estado em depósito por 30 anos no museu portuense: “Essas peças foram adquiridas a pensar em Serralves”, diz Braga da Cruz, “a partir do momento em que se diz que são do Chiado extravasa-se a letra e o espírito do despacho de 2014.”

O despacho a que o ex-ministro da Economia se refere data de 5 de Fevereiro de 2014. Com ele o secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier formalizou a afectação ao Museu do Chiado da totalidade da Colecção SEC, obras adquiridas pelo Estado desde 1975 que têm estado dispersas pelas mais diversas instituições e organismos – diferentes núcleos, como o de Serralves, onde o protocolo de depósito terminará ou será renovado após 2020.

À partida, qualquer obra de arte pode estar em depósito numa instituição pertencendo formalmente a outra. E seria esta a previsão do despacho de Barreto Xavier. Mas Braga da Cruz recusa aquilo que descreve como “uma trapalhada” e especifica que em 2014 chamou a atenção da tutela para a posição de Serralves. A partir daí, afirma desconhecer a origem de quaisquer tensões. O PÚBLICO sabe, porém, que há já quatro meses que o cenário de crise em torno da questão começou a desenhar-se na Secretaria de Estado da Cultura.

Em Fevereiro, Braga da Cruz fez saber a Barreto Xavier da indisponibilidade de Serralves para emprestar ao Museu do Chiado por todo um ano 114 obras de arte requisitadas para a mostra inaugural das novas instalações do museu lisboeta. Com abertura prevista na próxima semana e encerramento marcado apenas para meados de Junho de 2016 a mostra intitulava-se originalmente Narrativa de uma colecção – o legado da Secretaria de Estado da Cultura ao MNAC-MC. E, inicialmente, apesar das reivindicações de Serralves, tanto o título como a requisição de obras foram defendidos na Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a tutela directa tanto do Museu do Chiado como de Serralves. E essa defesa manteve-se pelo menos até ao princípio de Março. Entretanto as peças requisitadas pelo Chiado a Serralves chegaram a Lisboa. Mesmo assim, em Abril, a posição da tutela começou a alterar-se: a DGPC, que responde à Secretaria de Estado da Cultura, começou a pressionar o director do Museu do Chiado para que mudasse o título da sua exposição, escamoteando a entrega da Colecção SEC ao museu.

Nesse ponto, David Santos cedeu, entrou em compromisso – a exposição passou a chamar-se Narrativa de uma colecção – Arte Portuguesa na Colecção SEC (1960-1990). As cedências terminaram no entanto quando, a 3 de Julho, a apenas uma semana da inauguração da mostra, foi “confrontado” pelo director-geral do Património Cultural, Nuno Vassallo e Silva, e pelo sub-director deste, Samuel Rego, com ordens directas para omitir de todos os materiais de divulgação qualquer alusão à afectação da colecção ao MNAC-MC. Não podendo desobedecer a ordens directas, David Santos decidiu demitir-se. E na carta que esta quarta-feira de manhã enviou à DGPC deixava registada a “ameaça de que o secretário de Estado da Cultura poderia vir a revogar o seu despacho de 5 de Fevereiro de 2014”. O que terá acontecido a 6 de Julho, aguardando publicação.           

Não é claro o que terá levado Barreto Xavier a reverter uma decisão própria com pouco mais de um ano. Contactado ontem pelo PÚBLICO para Cabo Verde, onde está em visita oficial, Barreto Xavier recusou prestar declarações. O mesmo fez Vassallo e Silva, pela parte da DGPC. Isto sabendo que, não tendo Barreto Xavier assento no Conselho de Ministros, a tutela máxima da Cultura é o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

Esta quinta-feira, David Santos já não estava no Chiado, onde chegou há um ano e meio numa comissão de serviços pedida à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira até ao final de 2016. Samuel Rego, que assumiu temporariamente a direcção do museu, tem agora em mão o problema da montagem da exposição inaugural das novas instalações. O PÚBLICO sabe que foi pedida a colaboração de dois curadores de Serralves: Ricardo Nicolau e Marta Almeida viajaram na manhã desta quinta-feira para Lisboa. 

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