Álvaro Covões e os festivais como estímulo turístico

O responsável pela organização do NOS Alive defende que os festivais de música urbanos podem constituir alternativa ao património como factor de atracção turistíco.

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Álvaro Covões fundou o Alive em 2007 NUNO FERREIRA SANTOS

Principal responsável pelo festival NOS Alive, Álvaro Covões está intimamente ligado à história, profissionalização e consolidação dos festivais de música em Portugal. Durante muitos anos ao lado de Luís Montez, na Música no Coração, e desde 2007 na Everything Is New. No dia em que arranca mais uma edição do Nos Alive fomos falar com ele.

A nível organizativo existem novidades na edição deste ano?
Apenas diferenças de pormenor. Vamos ter, por exemplo, um espaço de alimentação que serve comida sem glúten e açúcar. Depois de algumas pessoas terem feito solicitações nesse sentido, pareceu-nos importante. Mas a grande novidade, todos os anos, acaba por ser o cartaz.

Ao longo dos anos o que é que tem provocado mais reparos?
A maior parte dos comentários é sobre o cartaz. As pessoas falam do desejo de terem a banda X ou Y. Durante anos a banda que pediam mais era os Radiohead. Este ano senti alguma acalmia de pedidos, talvez porque há alguma saturação das redes sociais, mas no Facebook continuam a fazê-lo, principalmente quando existem grupos de fãs que se organizam.

Quando o Rock In Rio entrou em Portugal adoptou um discurso ao nível do cartaz que era essa ideia de ir ao encontro do gosto do público, o que pode ser lido como um acto de desistência, se pensarmos que programar é também convencer e seduzir. Qual é a vossa filosofia?
Estamos atentos ao público, mas não fazemos o cartaz a pedido. Trazemos o que achamos que vale a pena. Tentamos trazer bandas grandes que achamos que podem esgotar e temos acertado com os Radiohead, Pearl Jam, Arctic Monkeys ou Muse. Mas também tentamos introduzir novidade como aconteceu com The xx, Gossip ou James Blake. Temos a nossa identidade. Há bandas que não cabem aqui. Agora é evidente que tentamos ser sexy porque o nosso objectivo é vender. Não tentamos ser o Ministério da Cultura para mostrarmos apenas o que gostamos, apesar de trazermos muitas coisas em que apostamos.

A Everything Is New realizou sempre concertos em salas ao longo do ano, mas fica a ideia que nos últimos tempos tem havido algum desinvestimento. Ou existe um maior foco no festival?
O mercado em geral, na Europa, sofreu uma recessão e nós, na periferia, também o sentimos. As bandas em digressão se não forem a Espanha, dificilmente chegam cá. De facto houve uma retracção. Há países onde tradicionalmente os concertos esgotavam rapidamente e hoje não acontece. Existiu um abrandamento global e achámos que também o teríamos de fazer. As pessoas perderam poder de compra. Mas curiosamente aumentou a facturação. A diminuição do número de pequenos concertos foi colmatada pelos grandes acontecimentos.

Há grupos emergentes que vêm a festivais a Portugal pela primeira vez e são valorizados, como pode existir o contrário: uma banda com potencial vir a um festival e sair incógnita no meio de dezenas de outras, acabando por nunca mais regressar para concertos de sala.
É verdade, mas cerca de 80% das digressões que acontecem podem passar por Portugal, desde que exista interesse. Agora os concertos ao longo do ano não dependem só dos promotores. Os agentes, managers e os artistas também têm a sua palavra. Agora é verdade que Portugal faz parte do circuito, é um país organizado e que funciona, porque há mercado, empresas credíveis, boas salas e profissionais de primeira linha.  

Nos últimos anos têm apostado na captação de público internacional. O cartaz é feito também a pensar nisso?
A maior parte das bandas é anglo-saxónica, mas não me parece que, este ano, tenha existido uma aposta no sentido de seduzir o público britânico. Existiu uma edição em que tínhamos no mesmo dia os Stone Roses e os Snow Patrol em que se sentiu isso, ou os Cure e Radiohead, mas no caso dos Muse não. O grande mercado dos Muse ou de Ben Harper, na Europa, é França. Talvez por isso tenhamos crescido aí. Já os Arctic Monkeys é Inglaterra. Mas obviamente que percebemos desde a primeira hora que para ter 50 mil pessoas por dia tínhamos que conquistar público estrangeiro porque em Portugal não há nesta altura grande poder de compra. A realidade é que muitos milhares de jovens em Portugal não têm a mínima hipótese de comprar um bilhete que custa 55 euros.

Têm beneficiado com a explosão turística de Lisboa e Porto?
E vice-versa. Há pouco tempo participei numa discussão pública sobre turismo em Lisboa e às tantas alguém alertava para os perigos de descaracterização da cidade, mas numa época onde as pessoas começaram a valorizar a ocupação dos tempos livres, esse tipo de mercado é inevitável. Isso aliado às viagens de avião mais baratas fez com que se criasse um turismo de curta-duração que tradicionalmente funcionava em Paris, Roma ou Londres e que se tem deslocado. Vejo aí uma oportunidade. Porque é que as pessoas vêm a Lisboa? Para conhecer a cidade e pelos conteúdos associados. Porque vamos a Madrid? Por causa do Prado, do Rainha D. Sofia, da Arco ou do Real Madrid. Há sempre um conteúdo associado. E aqui também temos essa hipótese de criar conteúdos. O festival é para os portugueses, mas a pensar nesse suplemento dos estrangeiros e hoje temos pessoas de 56 nacionalidades.

A sua visão está próxima das narrativas das entidades oficiais que gerem o turismo. Essa aproximação foi desencadeada por quem?
Andámos 20 anos a namorar o Turismo de Portugal para que percebessem a importância da música e dos festivais de Verão. As pessoas ligadas ao turismo começaram a dar-nos ouvidos há dois anos, percebendo a importância dos conteúdos para a valorização do destino. Os conteúdos de Lisboa, como a Torre de Belém, o Castelo de São Jorge ou os Jerónimos dão sinais de saturação. Temos de criar conteúdos alternativos ao património, criando dessa forma novos focos de interesse na cidade. Quando se diz que há turistas a mais é um erro. Isso não é verdade. O problema é que eles estão concentrados num perímetro.

O ano passado queixou-se que os jornalistas estrangeiros que têm sido convidados a cobrir o festival são mais elogiosos que os portugueses. Isso pode ser explicável pelo facto de estarem cá apenas uns dias, viverem a cidade no contexto do festival e de não terem uma visão de continuidade. Não se sente reconhecido em Portugal?  
Não é uma questão específica dos jornalistas, mas dos portugueses em geral. Está na nossa natureza dizer mal do que é nosso. Se for de fora falamos bem. Se for português é mais ou menos. Sinto que nos valorizamos pouco. Puxamos para baixo. É como esta questão do álcool e das pulseiras identificativas. Porque é que a imprensa foi de imediato confundir a opinião pública com festivais de Verão? Não compreendo.

Os menores de 18 anos não vão ter pulseiras identificativas?
Claro que não. Não vamos fazer discriminação. Vamos fazer um esforço para que não seja vendido álcool a menores de 18 anos, mas não vamos marcar os miúdos. Isso não faz nenhum sentido. É ridículo. Toda a gente tem direito à sua privacidade. Mostrar o bilhete de identidade é uma coisa, agora pôr um carimbo na testa das pessoas não faz sentido.

Do ponto de vista comercial, há um antes e um depois do Rock In Rio, na forma como os festivais se relacionam com as marcas, não acha?
Não. Os festivais em Portugal começaram de forma organizada em 1995. O Rock In Rio surgiu em Portugal em 2004. Quando chegaram as principais dificuldades já estavam esbatidas. O único efeito foi que pessoas que olhavam com desconfiança para a música começaram a vê-la com outros olhos e perceberam que havia ali interesse. Elevaram a fasquia.

O Rock In Rio foi muitas vezes descrito como uma espécie de centro comercial ao ar livre e outros festivais foram-se aproximando desse modelo. Há quem defenda que esse paradigma está esgotado e que as marcas devem ter uma presença mais subtil. Como se posiciona?
É uma discussão velha. É necessário equilíbrio. Em 1996 quando a Música no Coração fez Vilar de Mouros fomos acusados pelo maestro António Vitorino de Almeida de termos transformado o festival num centro comercial. Fomos nós que levámos as marcas para os festivais, mas é verdade que o Rock In Rio fez com que as marcas gritassem mais alto. Depende muito da relação que se estabelece. Agora, é verdade, que as marcas são importantes. É a sua presença que vai tornando possível que se façam cartazes ao nível dos grandes festivais e a um preço mais barato.

Há um efeito de reconciliação entre o público e a música feita em Portugal, mas os grandes festivais não têm reflectido isso, porquê?
É difícil criar um efeito de acontecimento quando a maior parte dos músicos toca assiduamente no território português. Isto é pequeno. É diferente um estrangeiro que se apresenta aqui uma vez por ano e um português para o qual um festival é apenas mais uma data em Portugal.

Há dez anos dizia-me que na noite anterior ao início do primeiro festival Sudoeste, em 1997, em noite de céu estrelado, tinha subido ao palco na companhia de Luís Montez, e ao vislumbrarem a planície à volta, de terem comentado com emoção que aquilo era uma loucura. Um festival no meio do nada. Uma utopia. E hoje o que o faz continuar?
Sim, parecia uma maluqueira. Tínhamos que ir buscar tudo a Lisboa. Mas o que me motiva é o mesmo. Esta é uma actividade fantástica. Sinto que contribuo para a sociedade, que ajudo a formar, que influencio comportamentos e que introduzo novos estilos de música e mensagens. Tenho orgulho com o que fazemos aqui com as bolsas de investigação científica e com os apoios de economia social, por exemplo. Isso é possível porque esta actividade é rentável e influencia saudavelmente a sociedade.

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