O dia seguinte

Não vale a pena atribuir toda a responsabilidade à chanceler e a crise na Grécia é disso um exemplo. Em Paris, Lisboa, Helsínquia ou Roma os governos têm uma única preocupação: agradar aos eleitores

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1.Como foi possível chegar até aqui? A pergunta passou a ser incontornável porque, seja qual for o resultado do referendo na Grécia, muito dificilmente a Europa voltará a ser o que foi. Os danos são demasiado elevados para que a confiança volte a ser estabelecida.

Durante cinco anos, a crise e a forma como foi gerida foi criando divisões profundas entre o Norte “virtuoso” e o Sul “vicioso” que permanecem. A concentração do poder de decisão em Berlim tornou-se um facto consumado. Os europeus perceberam que nada podia ser feito contra a vontade da Alemanha. Foram-se adaptando. Este referendo que, aparentemente, ninguém viu chegar, representa um salto no desconhecido cujas consequências são imprevisíveis no curto e no médio prazo. Há meia dúzia de anos seria impensável o clima de absoluta desconfiança que se estabeleceu entre Atenas e Bruxelas, como se se tratasse de uma negociação entre “inimigos”: o que um ganha, o outro perde. Há seis meses, seria inadmissível ouvir um primeiro-ministro europeu insultar os seus parceiros e os seus credores. Foi exactamente isso que Alexis Tsipras fez na última semana. Os gregos não sabem o que fazer de uma escolha que vai determinar as suas vidas. Sair daqui vai exigir da parte europeia uma capacidade política e estratégica que até agora pura e simplesmente não existiu.

2. A Reuters escrevia na quinta-feira passada que a popularidade do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, nunca tinha sido tão alta: “70% dos alemães aprovam o que ele está a fazer”. Schäuble não tem escondido o que pensa: quer a Grécia fora do euro e considera que, se isso acontecer, não há problema nenhum. A chanceler não pensa assim. Ou, pelo menos, não pensava, até ser “enganada” pelo seu homólogo grego, que considerava um negociador credível, apesar da “ideologia”. Nunca esperou perder o controlo da situação. Num longo artigo sobre a forma como Merkel geriu a crise grega, a revista Der Spiegel descreve a reunião entre a chanceler, o Presidente francês e Alexis Tsipras (com outros primeiros-ministros da zona euro a entrar e a sair), que decorreu na noite do Conselho Europeu de 25 de Junho. Foi uma discussão cansativa mas que, na opinião de Merkel, correu bem, abrindo uma clara oportunidade para um entendimento. “Mal tinha regressado a Berlim quando recebeu um telefonema de Tsipras, que lhe comunicou não estar interessado num acordo e lhe disse que iria convocar um referendo.” Seguiu-se uma semana louca de contradições e de reviravoltas. A chanceler ficou sem argumentos. “Ele ofereceu a Merkel a sua maior débacle política desde que é chanceler”, escreveu a Spiegel. Era o resultado quase inevitável da forma como a chanceler agiu: adiando, permitindo que as coisas se mantivessem vagas por demasiado tempo, preferindo esconder-se atrás das instituições e dos técnicos para evitar uma solução política. A sua fórmula tinha funcionado até agora. Desta vez não. “Faltou-lhe liderança e um plano.”

3.E cometeu um pecado original que a persegue: no início da crise da dívida, disse aos alemães que os países do Sul eram indisciplinados, preguiçosos, gastadores, que gozavam mais férias do que eles e que tinham de ser responsabilizados pelos seus próprios erros. A Grécia era o exemplo mais acabado. O problema é que os alemães acreditaram. Merkel ficou presa na sua própria armadilha. Em 2012, no pico da crise do euro, “despachou” o primeiro-ministro grego George Papandreou (PASOK), quando ele lhe disse que ia convocar um referendo. Foi a Atenas apoiar Antonis Samaras, que era seu correligionário, apesar de o considerar bastante incapaz. Na viagem de regresso, riu a bandeiras despregadas ao contar aos jornalistas que o Governo grego não lhe queria pagar os submarinos (a Grécia comprou cinco e Portugal mais dois) porque estavam “estragados”. Nessa altura, a sua visão era apenas geoeconómica. Nunca se deu ao trabalho de explicar aos alemães os benefícios que a Alemanha retirou do euro e retirou da crise. Os alemães estiveram quase a cair na tentação de acreditar que o mercado global e as potências emergentes podiam dispensar a Europa. A chanceler teve a lucidez de resistir à tentação, mas não mudou de estratégia. A crise ucraniana foi um ponto de viragem. O que vai fazer na segunda-feira, ninguém sabe. A traição de Tsipras não é fácil de esquecer.

3.Não vale a pena atribuir toda a responsabilidade à chanceler e a crise na Grécia é disso um exemplo. Em Paris, Lisboa, Helsínquia ou Roma os governos têm uma única preocupação: agradar aos eleitores. Não conseguem ver para além do dia seguinte nem olhar para o parceiro do lado. O Governo português quer que a Grécia caia ou cumpra pela mesmíssima razão. Merkel temia (e teme) o surgimento de partidos nacionalistas na Alemanha e percebe-se porquê. Pelo contrário, numa larga maioria de países, os partidos populistas de direita ou de esquerda (não são muito diferentes entre si, basta olhar para as alianças de Tsipras e até para a sua retórica nacionalista) condicionam os governos em funções, influenciando cada vez mais as suas agendas políticas. A falta de liderança europeia terá no caso grego um custo muito elevado. “A crise da Grécia transformou-se numa questão de segurança europeia da maior dimensão”, escreve Judy Dempsey do Carnegie Europe.

Em 2013, Ulrike Guérot, do European Council on Foreign Relations de Berlim, avisava em véspera das eleições alemãs que “os europeus esperam demasiado da Alemanha”. “Berlim muito simplesmente não tem ambição para garantir uma liderança clara em tempos tão turbulentos”. Justamente, é essa turbulência que a pode levar, agora, a ter de agir.

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