E você, já fez o seu referendo?

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A continuação da Grécia no euro e o futuro da  moeda única e da União Europeia é hoje que se decidem. Ou não decidem. Ou sim, decidem. Ou não, outra vez, sei lá. Olha, afinal parece que é talvez… e, já agora, onde é que eu pus os óculos? Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis tinham prometido aos gregos uma pergunta simples no referendo. Uma frase fácil de perceber, de memorizar e, claro, de responder. O mundo esperava uma questão do tipo: “Concordas com o programa de austeridade imposto pelos engravatadinhos da ex-troika? Sim ou não, bacano?” Afinal de contas, os líderes gregos saíram-se com isto:

“Deverá ser aceite o projecto de acordo que foi submetido pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo de 25.06.2015 e que compreende duas partes, que constituem uma proposta unificada? O primeiro documento designa-se ‘Reformas para a Conclusão do Programa Actual e Mais Além’ e o segundo ‘Análise Preliminar da Sustentabilidade da Dívida’. Não Aceite/ Não; Aceite/Sim.”

A Europa pôde suspirar de alívio com este estilo linguístico de comprida formulação. Porque um vencedor à partida era, mais uma vez, o amado jargão burocrático. Um referendo tão receado por vir da “esquerda radical” inesperadamente metia gravata ao pescoço e empastelava-se literariamente no velho modelo dos partidos do “arco da governação”. A pergunta parece escrita pela própria mão de Durão Barroso nos anos em que ele andou a fazer de conta que era um bom presidente da Comissão Europeia. Com toda a fairness, temos de o reconhecer, José Manuel. Muitos parabéns, eixo Berlim-Bruxelas. Assim se reafirmou a cultura das normas da UE, um tesouro comunitário que chegou a parecer em perigo. Sobreviveu e está para lavar e durar. Um dia, a humanidade poderá não se lembrar de quem foi Platão ou Sócrates (um que esteve preso há uns anos mas não era político) mas não perdeu nada. Porque o cúmulo da filosofia e do pensamento humano não foram escritos em grego na Antiguidade, mas em bruxelês-economês de Bruxelas no século XXI. Como se sabe, é uma língua onde radica a raiz do passos-coelhês (que já de si é uma espécie de mirandês do politiquês de Portugal). Por isso é natural que nos próximos tempos tenhamos, em Portugal, uma adesão generalizada e entusiástica — para não dizer “irrevogável” — à moda dos referendos, permitindo ao povo que escolha livremente como é que prefere encravar o seu futuro.

Gabinetes de assessores e técnicos de comunicação começaram a trabalhar nas perguntas que mais preocupam nas diversas áreas da vida os portugueses. A primeira pergunta referendária será lançada, naturalmente, pelo guru da estratégia matemático-política, Aníbal Cavaco Silva. A proposta de referendo cavaquista é a seguinte:

“Deverá ser aceite o projecto de contas de subtrair que foi submetido pelo Presidente da República, também conhecido como o ‘senhor-investir-no-BES-é-seguro’, no Verão com residência intermitente em Lisboa e na praia da Coelha, segundo o qual, 19 menos 1 são 18, e que compreende uma segunda parte em que se faz a constatação que dez mil euros de reforma mal dão para as despesas da casa e assim a Sustentabilidade de um Homem não dá para Ir Mais Além, e uma segunda proposta unificada é afirmar que o ego de um homem se enche com vitórias eleitorais e só com elas se pode fazer ó-ó descansado. Não Aceite/Não, Aceite/Sim.”

Também a oposição (Cavaco Silva e Governo PSD-CDS são, afinal, uma proposta unificada em tempo de eleições) de António Costa prepara uma pergunta referendária:

“Deverá ser aceite o projecto socialista português de falar do Syriza sempre em ziguezague, submetido aos membros da Comissão Política e do Secretariado, e que consiste em de manhã dizer bem da coragem e elogiar o esforço de democracia do legítimo Governo grego e, à tarde, se fazem as contas aos riscos políticos de parecer radical e se opina que afinal o Syriza só faz asneiras sem Sustentabilidade e está a pagar o preço da sua inexperiência e radicalismo estéril e portanto não contem connosco para ser solidários, a não ser amanhã de manhã outra vez se acharmos que os ventos revolucionários dão para Ir Mais além, em resumo às vezes somos a favor do que achamos errado e noutras achamos mal o que defendemos, mas logo se vê quando formos Governo, aí já podemos unificar este acordo, bom agora perdemo-nos nesta pergunta mas os portugueses não se deixam enganar outra vez e só querem Ir Mais Além. Não Aceite/Não; Aceite/Sim. PS (post scritpum): o secretário-geral do PS apela ao voto no Não e também no Sim, boa escolha!”

Entretanto, a iniciativa privada, através do grupo Pingo Doce, também já tem uma proposta de referendo nacional. É tão simples que deverá ser chumbada pela Comissão Europeia: “Concorda com a piada fácil de que Soares dos Santos deve comprar agora o Jardim Zoológico para também ter uma Secção de Carnes? Não. Sim.”

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