Rolão Preto, quase integral: dos camisas-azuis à oposição a Salazar

Compilação das principais obras de Rolão Preto, um auxiliar historiográfico fundamental para compreender o século XX português

Entrevistado no final da vida por João Medina, Francisco Rolão Preto (1893-1977) disse, entre risos, que vira o fim do salazarismo “com prazer” e que encarara o 25 de Abril “como um revolucionário que está à espera da Revolução há quarenta e cinco anos!”. Pouco antes, em 1972, escrevera uma Carta Aberta ao Doutor Marcello Caetano, seu antigo companheiro nas lides integralistas, alertando-o para a iminência da queda do regime se este insistisse em proibir a existência de partidos e de oposição, e advogando a restauração da monarquia.

A presente publicação das Obras Completas de Rolão Preto não carece de justificação. O mérito desta iniciativa é por demais evidente, porquanto nela se reúnem as quinze principais obras publicadas em vida pelo líder dos “camisas azuis”, cobrindo um espectro temporal que vai de 1915 a 1972. Numa edição cuidada, com elucidativas notas e uma informada apresentação da autoria de José Melo Alexandrino, esta obra será, doravante, um instrumento de consulta fundamental e um imprescindível auxiliar de trabalho para todos quantos decidam estudar e compreender a história política do século XX português. Espera-se que, num futuro próximo, se dêem à estampa opúsculos e folhetos esparsos, e, sobretudo, os discursos, as proclamações, as conferências e as entrevistas que Francisco Rolão Preto concedeu ao longo da vida, em particular entre o início dos anos vinte a meados da década de quarenta. Uma vez que esta obra é feita, por assim dizer, com o beneplácito da família de Rolão Preto, seria de extrema importância proceder, de igual modo, à publicação de documentação que porventura exista no seu espólio pessoal, com destaque para as correspondência epistolar que decerto terá mantido com personalidades centrais da vida pública do seu tempo. 

A publicação destes dois volumes, contendo os principais textos da autoria de Rolão Preto, alguns dos quais de difícil acesso, até hoje disputados por historiadores e bibliófilos, inscreve-se numa linha de apreço pela História Contemporânea que caracteriza as Edições Colibri, ponto que merece ser realçado num tempo em que não é frequente proceder-se à edição crítica de fontes e instrumentos de consulta nesse domínio. Aos que julguem tratar-se de uma iniciativa apologética da figura de Rolão Preto sugere-se a leitura da nota de apresentação de Melo Alexandrino, que não ilude a sua proximidade pessoal e afectiva à família do dirigente nacional-sindicalista mas, do mesmo passo, não escamoteia o debate sobre a qualificação de Rolão Preto como um autor e um político assumidamente fascista. Em boa verdade, a apreensão desta figura está, porventura em excesso, contaminada por tal debate. Se é certo que Rolão Preto negava ter dirigido um movimento fascista, preferindo usar o qualificativo “pré-fascista”, não é menos certo que o nacional-sindicalismo, analisado detidamente por António Costa Pinto em Os Camisas Azuis (1994), possui inquestionáveis elementos fascizantes na sua génese e no seu desenvolvimento. Mesmo que, numa polémica que manteve nas páginas d’A Época com um jornalista e sacerdote que usava o pseudónimo “Santa Cruz”, Rolão Preto haja afirmado que não se revia na substância do fascismo mas tão-só no seu método, a diferença entre este e aquela não são particularmente evidentes num movimento em que se quisermos, método e substância se confundiam, a ponto de podermos afirmar, sem com isso resvalar num mero jogo de palavras, que, no fascismo, a substância era o método, e vice-versa. 

Em todo o caso, a obra de Rolão Preto, sobretudo quando observada na integralidade (outra das vantagens da presente edição), permite surpreender com clareza algumas das contradições do seu ideário, mas, de igual sorte, desvenda elementos constantes e perenes, que o levaram a repelir o salazarismo ou, talvez mais precisamente, a própria figura de Oliveira Salazar, alvo de indisfarçado ódio. A sua trajectória pública, que se inicia no Integralismo Lusitano e, sem o renegar, culmina em contactos com o MUD e no apoio às candidaturas presidenciais de Quintão Meireles e de Humberto Delgado, confirma aquilo que, pouco antes de morrer, Rolão Preto confessará a João Medina, ao afirmar que “Sorel é para mim o grande mestre”. Isto apesar de, num escrito não muito distante (Inquietação, de 1963), se ter afastado dos mestres da contra-revolução, como Maurras mas também Sorel, “porventura os dos maiores responsáveis do clima duro e anti-humano ao qual a guerra trouxe as vastas perspectivas dos seus expeditos métodos de acção”. Já antes, num escrito de 1937, dissera: “se houvesse alguma coisa a queimar, ó Sorel!, seria a tua obra, quase toda a tua obra...”. 

Todavia, é indubitável que a marca soreliana o frémito revolucionário sempre animaram a irrequietude das suas intervenções cívico-políticas, a ponto de podermos dizer, num balanço global e necessariamente simplista, que, em Rolão Preto, a dinâmica da “acção” e prevaleceu sobre a densidade do pensamento. Esta constatação, porém, não dispensa a leitura das suas obras. E, pelo contrário, só reforça a necessidade de que as mesmas sejam agora complementadas pela publicação dos textos (panfletos, discursos, entrevistas) em que a dimensão “activista” de Francisco Rolão Preto é mais evidente. 

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