Quando tudo arde
Se as suas vítimas se revoltam, tratam-nas com condescendência, primeiro, e implacabilidade depois. *** Tampouco serve aos portugueses esta cegueira, e no entanto o governo de Portugal tem insistido em ser dos mais inflexíveis da zona euro. Maria Luís Albuquerque bem pode mascarar esta atitude numa linguagem da “ambição”, que a realidade está bem à vista e é igual à do resto do seu governo. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas alinham na lógica punitiva contra a Grécia como forma de preservar as suas carreiras políticas e maximizar as suas hipóteses eleitorais. Não seria tarde para pelo menos optar pelo plano que Strauss-Kahn propôs: não emprestar mais dinheiro à Grécia mas cancelar também os pagamentos de dívidas para os próximos dois anos, e entretanto deixar o país viver com o orçamento que tem e iniciar negociações para a redução da dívida. Há tempo para a racionalidade na Europa. Mas não creio que haja ambiente. No célebre Que farei quando tudo arde de Sá de Miranda, o poeta descreve a atitude tirânica que “manda e faz tudo o que quer, a torto e a direito” e opõe-lhe a Razão, que “a tempos espia, espia ocasiões de tarde em tarde, que ajunta o tempo” e conclui: “enfim vem o seu dia”. Hoje o tempo é de quem “faz e desfaz, sem respeito algum”. Persistamos na razão, que enfim virá o seu dia.