Bruxelas vira costas a Tsipras e entra em campanha pelo “sim”

Líderes europeus dizem-se abertos a negociar mas já fazem campanha contra o Governo de Atenas no referendo à última proposta dos credores. Votar “não” é votar para sair do euro, afirmam. “Se o euro fracassa, a Europa fracassa”, diz Merkel.

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Juncker disse aos gregos que o Syriza “não é digno da grande nação grega” John Thys/AFP

Um a um, os líderes das principais economias europeias enviaram uma mensagem clara para o Governo de Alexis Tsipras e para os gregos chamados a votar num referendo no próximo domingo: a consulta não é só sobre o acordo que estava a ser negociado, é sobre a permanência da Grécia no euro.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, lamentou a “traição” de Tsipras, acusando Atenas de interromper negociações que estavam “no bom caminho” e deu o tom. “Um ‘não’ quer dizer que a Grécia diz ‘não’ à Europa’”. “Peço aos gregos que votem ‘sim’.”

Quando o primeiro-ministro grego anunciou ao país a realização da consulta sobre o plano proposto pelos credores, Fundo Monetário Internacional e União Europeia, os restantes líderes europeus decidiram que o plano de assistência financeiro fica sem efeito. Tsipras pediu a extensão do programa, que oficialmente termina terça-feira, mas já lhe foi dito que isso não vai acontecer. Segundo o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, “não há disponibilidade entre os estados-membros” para rever essa decisão.

Depois de um encontro com Juncker, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, mostrou-se até disposto a ir à Grécia explicar que a proposta dos credores é positiva, ao contrário do que afirma o Syriza e defender o voto no “sim”. “Como um europeu convicto, farei campanha e lutarei para convencer os gregos que devem aceitar a mão estendida dos europeus e permanecer na zona euro”.

Em quase todas as capitais da União – Lisboa foi a grande excepção –, os governos reuniram de urgência para avaliar o referendo anunciado por Tsipras na madrugada de sábado. Houve conselhos de ministro extraordinários, reuniões de chefes de Estado com os seus núcleos duros, encontros com os responsáveis dos respectivos bancos centrais ou até, no caso de Berlim, uma inédita reunião que juntou os líderes de todos os partidos com representação no Parlamento.

No final de cada reunião, cada chefe de Estado ou de Governo teve duas mensagens. Uma interna, para tranquilizar as suas populações face às consequências de uma eventual saída grega do euro e aos potenciais riscos de contágio para as suas economias; outra dirigida a Tsipras e aos gregos que o elegeram em Janeiro.

“Chama-se democracia, o povo grego tem o direito de decidir o que quer para o seu futuro. Mas o que está em jogo é saber se os gregos querem ficar na zona euro ou se arriscam sair”, afirmou François Hollande, Presidente francês. A chanceler Angela Merkel foi mais contida – depois de ter dito que “se o euro fracassa, a Europa fracassa”, explicou que não quer “pressionar” os gregos, mas que está obrigada a “apontar as consequências” do resultado do referendo de 5 de Julho.

Coube ao parceiro de coligação de Merkel, Sigmar Gabriel, vice-chanceler, dizer com todas as letras que “a Grécia está a votar se fica ou sai do euro, um voto no ‘não’ é uma decisão clara contra a permanência no euro”. “Esta é a questão: o referendo europeu não será um derby entre a Comissão Europeia e Tsipras, mas entre o euro e o dracma. Esta é a escolha”, escreveu por seu turno o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, na sua página de Twitter.

Em Londres, o Governo de David Cameron esteve reunido logo de manhã. À tarde, o ministro das Finanças, George Osborne, disse na Câmara dos Comuns que o referendo é uma escolha grega sobre permanecer ou não na zona euro, avisando que uma saída será “traumática”. “Esperamos o melhor, mas estamos preparados para o pior”, disse ainda, garantindo aos britânicos que vivem na Grécia que as suas poupanças estão seguras.

Um dia depois de ter telefonado a Merkel, esta segunda-feira foi a vez de Barack Obama telefonar ao Presidente francês – o líder norte-americano e Hollande afirmaram-se “dispostos a trabalhar juntos para ajudar a reiniciar o diálogo” e encontrar uma solução.
 
Chantagens e credibilidade
Atenas culpa os credores, Bruxelas e as capitais europeias culpam Atenas. Uns dizem que os outros mentiram, outros que do outro lado nunca houve vontade verdadeira de negociar.

"Ouvimos falar de ultimatos, de chantagem. Mas de onde vêm os insultos, as ameaças?", denunciou Juncker, garantindo que o Governo de Tsipras abandou a mesa das negociações quando a proposta que estava a ser discutida podia ter "facilmente" conduzido "a um acordo no Eurogrupo de sábado". Tratava-se de "um pacote exigente e completo, mas justo" que não implicava nem cortes de salários nem de pensões”. Juncker diz que se a proposta de sexta-feira for apresentada como final, quando havia ainda margem para trabalhar nalguns pontos, Tsipras "faltará à verdade", acusando-o de “egoísmo”.

A resposta de Atenas começou por chegar via um comunicado do porta-voz do executivo, Gabriel Sakellaridis: “O índice necessário de boa-fé e de credibilidade numa negociação é a sinceridade”. Depois foi o próprio Tsipras a garantir que lhe foi dito foi que “tinha 48 horas para aceitar” o que foi descrito como “última proposta”. O primeiro-ministro recusa por isso que tenha sido o seu Governo a abandonar as negociações, já que estas tinham sido dadas por terminadas pelo outro lado.

“Digo aos gregos que não devem suicidar-se por terem medo de morrer… Devem votar ‘sim,’ independentemente da pergunta”, afirmou ainda Juncker, mesmo antes de ser o conteúdo do boletim de voto. O ex-primeiro-ministro luxemburguês quis também dizer aos gregos que o Syriza e os seus actos “não são dignos da grande nação grega”. A exemplo de Renzi, recorreu à linguagem desportivo para afirmar ainda que não quer ver “Platão na segunda divisão”.

Numa crise que se perpetua e em que já ninguém sabe quantos foram os dias apresentados como “o do tudo ou nada”, qualquer volte-face é sempre possível.

Para o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, foram os gregos que decidiram este caminho, o do afastamento das negociações, e nisso ninguém se “pode envolver”. Mas “as portas estão sempre abertas, mesmo que as opções e o tempo sejam muito limitados”. Em causa está a zona euro, afirmou, mas antes de tudo, a Grécia. “Isto é realmente sobre o futuro da Grécia – também da zona euro – mas principalmente da Grécia.”
com Miguel Castro Mendes, em Bruxelas

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