Exportação de serviços de base científica e tecnológica já vale mais do que a indústria têxtil

Nos últimos seis anos as exportações que incorporam conhecimento e tecnologia cresceram 30% e já valem 5690 milhões de euros. Há cada vez mais tecnológicas a nascer nas incubadoras, as empresas maduras como a WeDo ou a ROFF consolidam-se e há cada vez mais multinacionais a procurar Portugal.

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Tem havido um surto das exportações de serviços com alta intensidade de tecnologia e de conhecimento Miguel Manso

Uma passagem pelos pólos de incubadoras da Uptec, o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto, é um exercício um pouco futurista, seja pelo ambiente, pelo ar grunge de dezenas de jovens que gravitam em torno dos computadores ou pelo nome das empresas que muitos criaram e tentam afirmar - Auditmark, Gisgeo, Adclick, 3Decide, entre muitas outras grafias estranhas.

O trabalho que esta geração de jovens quadros faz não é exclusivo do Porto – é fácil encontrar incubadoras ou aceleradoras de empresas em Braga, Aveiro, Coimbra ou Lisboa -, mas é um indicador que ajuda a explicar o surto das exportações de serviços com alta intensidade de tecnologia e de conhecimento registado na economia portuguesa nos últimos anos.

De acordo com as definições internacionais e os dados desagregados do Banco de Portugal trabalhados pela Agência Nacional de Inovação, o país exportou no ano passado 5690 milhões de euros destes serviços sofisticados, um valor que já supera o da indústria têxtil (4673 milhões).

Para muitos analistas, o número que segue as convenções internacionais é enganador, porque abrange serviços, como as viagens aéreas ou serviços públicos – emissão de vistos, por exemplo – que estão longe de requerer o mesmo nível de ciência de um projecto de engenharia aeroespacial como os que a CEiiA exporta a partir de Matosinhos. Mas não deixa de ser revelador de uma nova frente aberta pela economia portuguesa que está a registar rápidos avanços. Uma frente ainda silenciosa, sem o destaque público que a “reindustrialização” ou a “reinvenção da agricultura” mereceram nos últimos anos e que “reclama das entidades públicas, da diplomacia, por exemplo, uma maior atenção”, nota Jorge Jordão, presidente da Confederação dos Serviços de Portugal (CSP).

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), lamenta a existência de um pensamento “oficial” entre os economistas que tende a privilegiar “uma visão industrialista do século XIX”, o que, na sua opinião, acaba por sujeitar os serviços a uma atenção no debate público e político inferior ao seu peso na economia.

No ano passado, as exportações de serviços aproximaram-se dos 23 mil milhões de euros, quase metade do valor das vendas de bens para o exterior. Neste bolo, merece claro destaque a área do turismo, que no ano passado rendeu ao país 10,4 mil milhões de euros. Mas entre as diferentes rúbricas da exportação de serviços analisadas pelo departamento de estatísticas do Banco de Portugal há a considerar os serviços de telecomunicações, de informática e de informação, que já valem mais de mil milhões de euros. Ou os serviços prestados às empresas, que em 2008 representavam 2,4 mil milhões de euros e, no ano passado, tinham subido para o patamar dos 3,6 mil milhões.

Se juntarmos os dados da exportação ao valor que o sector dos serviços assume no mercado interno fica-se a perceber que “os serviços são hoje responsáveis por dois terços dos empregos e por três quartos da riqueza gerada pela economia”, de acordo com as estimativas de um estudo da Augusto Mateus e Associados para a CCP.

Com a hegemonia dos serviços no conjunto da economia, que não parou de se acentuar nos últimos 40 anos, é normal que o sector possa funcionar como “um motor chave da ‘viragem para fora’ da economia portuguesa”, lê-se no estudo Portugal: que funções na Globalização, coordenado por José Félix Ribeiro.

Por um lado, porque a indústria moderna incorpora fortes componentes de serviços – por exemplo, o vestuário ou o calçado exigem design ou marketing e um auto-rádio exige software. Por outro porque para sectores em crise como a construção, implica “a viragem para o exterior das actividades de projecto, engenharia ou arquitectura”. Depois, e ainda na opinião da equipa coordenada por Félix Ribeiro no estudo produzido para a CCP, “a oferta ao exterior de serviços à distância prestados às empresas e de serviços e conteúdos para o ciberespaço está a constituir o mais dinâmico sector de atracção de investimento de operadores globais para Portugal”.

Os números das exportações de serviços com intensidade de conhecimento e tecnologia revelam essa tendência. Entre 2008 e o ano passado o seu valor cresceu 30%. E este ano, até Abril, aumentava a um ritmo de 15%. Uma vez mais, neste agregado nem tudo é futuro, mas Jorge Jordão considera que “essa tendência já regista a evolução das tecnologias de informação e comunicação (TIC)”.

Um estudo da consultora Ernst & Young sobre a atractividade de Portugal concluiu que 45% das empresas internacionais inquiridas consideram que as áreas de negócios associadas à investigação e desenvolvimento serão, juntamente com o turismo, o farol do crescimento da economia nos próximos anos. Antecipando essa tendência, gigantes como a Cisco, a Siemens ou a Bosch já instalaram em Portugal os seus centros de competências. Outros investidores estão a seguir esse caminho. “Sente-se cada vez mais interesse nesta área”, nota Miguel Barbosa, administrador da Agência Nacional de Inovação.

O que justifica esse interesse por parte de investidores que actuam à escala global? Três requisitos fundamentais, nota Rui Paiva, CEO da WeDo, uma tecnológica do grupo Sonae com escritórios em onze países que exportou 64 milhões de euros de serviços informáticos: “Temos um nível de formação espectacular, as pessoas são muito comprometidas com o trabalho e somos quase todos bilingues”, diz.

Há quem acrescente a este potencial o facto de Portugal dispor de “uma infra-estrutura em termos de telecomunicações e de tecnologia muito avançada”, nota Miguel Barbosa. E ainda o reconhecimento que o país oferece “a melhor relação custo-benefício para a contratação de talento”, acrescenta Jorge Jordão.

Depois, a atracção do clima e das cidades portuguesas é capaz de mobilizar jovens de todo o mundo para uma carreira numa multinacional de serviços, acrescenta ainda Rui Paiva. E, sublinha João Vieira Lopes, “nos serviços não há periferias, como há na exportação de bens industriais – qualquer empresa pode produzir um projecto e enviá-lo para qualquer parte do mundo pela internet”. É por isso que a francesa Altran montou um centro de serviços partilhado no Fundão onde trabalham 300 pessoas.

Entre todo este modelo de novos negócios que começam a fervilhar, há no entanto que distinguir aquilo que gera mais riqueza no país – sendo que, por definição, “os serviços são o sector com mais valor acrescentado nacional”, lembra João Vieira Lopes. Se Portugal deu passos acelerados na área dos serviços partilhados (quando, por exemplo, uma multinacional instala em Lisboa ou no Porto toda a área de contabilidade ou os serviços de apoio ao cliente, normalmente designados por call center), ainda está muito longe de se aproximar dos países mais evoluídos no que diz respeito à produção de tecnologias de informação.

 Em 2013, a posição do país no contexto da indústria das TIC era, no mínimo, modesta – nos serviços científicos, técnicos e de informação era, na União Europeia, estava no 6º a contar do fim em termos de VAB e no emprego, e no que diz respeito à informática estava em 20º lugar entre os 28 europeus, aquém do dinamismo de países do Leste como a Bulgária ou a Estónia -, de acordo com o citado estudo do gabinete de Augusto Mateus.  

Este atraso não parece comprometer a expectativa. “Temos uma enorme oportunidade para aproveitar”, nota Jorge Jordão. “O que esses dados provam é que temos muita margem para crescer”, concorda João Vieira Lopes. Há alguns anos, as principais multinacionais descobriram a região indiana de Bangalore para produzirem aí o software ou a engenharia que necessitavam para as suas operações. Mas o tempo do “offshore” parece estar a esgotar-se e, cada vez mais, os gigantes mundiais estão interessados no “nearshore”, ou seja, na instalação desses serviços em cidades que ficam a duas ou três horas de voo das suas sedes operacionais.

Jorge Jordão dá conta dessa mudança com a recente opção da Lufthansa, que trocou Bangalore por Cracóvia, na Polónia, uma cidade que entretanto se transformou no segundo centro mundial de produção de serviços tecnológicos. Portugal diz, o responsável da CSP, “tem todas as condições para seguir esse trajecto”.

Enquanto espera por esse momento, Portugal tem desenvolvido a sua própria base de empresas voltadas para as tecnologias e a informação. A WeDo é um bom exemplo dessa estratégia. A Novabase é outro. Ou a Primavera Software, uma empresa de Braga que serve para ilustrar a tese de que esta cidade é a capital nacional do software – é lá que a WeDo desenvolve os seus produtos. Ou ainda a ROFF, uma empresa especializada em soluções SAP (ferramenta para a gestão de empresas desenvolvida pela companhia alemã com o mesmo nome) onde trabalham 850 consultores. Ou, talvez ainda, muitas das empresas que por estes dias pululam nas incubadoras das universidades ou das autarquias, empresas que “já nascem voltadas para o mercado mundial”, na percepção de Miguel Barbosa, e exprimem já “uma profunda mudança de mentalidade no país que leva as pessoas a quererem arriscar a sua sorte nas suas próprias empresas”, nota Rui Paiva.

Entre portugueses e estrangeiros, entre centros de contacto, de serviços partilhados ou “nearshoring” a vanguarda dos serviços portugueses vai saindo do anonimato e começa a tornar-se numa espécie de certeza. Uma visita por estes dias à página da Talkdesk, um gigante com sede nos Estados Unidos que abriu um centro de serviços em Lisboa, permite ver esse potencial através das suas ofertas de emprego – 13 quadros qualificados para os seus escritórios na capital.

“As nossas vantagens competitivas são brutais”, diz Miguel Barbosa e para se consolidar uma fileira de empresas com outra ambição “não são necessários investimentos como os da Autoeuropa”, sublinha Jorge Jordão. Por todas estas razões, este responsável vê aqui um mundo de oportunidades. Ou, como sublinha, não vivêssemos nós “num mundo de serviços”.

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