Um novo método identifica à primeira as resistências do bacilo da tuberculose

Taane Clarke é o investigador da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres responsável por um método capaz de identificar em poucas horas as resistências do bacilo da tuberculose em cada doente.

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Taane Clark Daniel Rocha

Chama-se In silico e é uma biblioteca onde estão identificadas as variações do ADN do bacilo da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) associadas à resistência desta bactéria a 15 antibióticos. Esta base de dados promete mudar completamente a identificação das resistências do bacilo da tuberculose de cada doente.

Uma análise que, antes, podia chegar a demorar meses a fazer, poderá ser obtida em algumas horas com uma simples sequenciação genética, que compara o ADN do bacilo com as mutações que estão na base de dados, permitindo determinar quais os fármacos que cada doente deve tomar. Taane Clark, neozelandês a trabalhar na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, liderou a equipa que construiu esta base de dados, e que contou com Miguel Viveiros, especialista em tuberculose do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), em Lisboa, além de investigadores do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Segundo o cientista, que visitou o IHMT, este método poderá vir a ser usado nos hospitais por um preço “relativamente barato”. Só em 2013, a tuberculose matou 1,5 dos nove milhões de pessoas doentes. Apesar da prevalência da doença estar a diminuir, as resistências aos fármacos continuam a aumentar.    

Como é que se analisa a resistência do bacilo da tuberculose num doente?
Uma das formas é obter a expectoração e cultivar as bactérias [no laboratório] na presença de fármacos. Vê-se directamente a resistência da bactéria. Sabemos que a bactéria cresce e divide-se muito lentamente, leva semanas, às vezes meses. Por isso, pode demorar até sabermos quais são as resistências. Há ainda alguns kits de análise que olham para determinadas mutações do bacilo da tuberculose [que dão resistência a determinados antibióticos]. Mas estes kits só conseguem detectar um número muito pequeno de mutações.

Qual é o problema de não se identificar as resistências de um bacilo de um doente?
Se se dá ao doente o fármaco errado isso faz falhar o tratamento, o que leva a menos hipóteses de uma cura.

Qual a novidade da base de dados In silico?
Podemos retirar uma amostra [de um doente] e sequenciar o genoma do bacilo desse doente, e aí vamos ter toda a sequência de ADN da bactéria. O que temos estado a fazer, em conjunto com outros colegas, é olharmos para as mutações do ADN associadas a diferentes tipos de resistências a fármacos. Com essa informação podemos fazer rapidamente um perfil da bactéria e das suas principais resistências, o que vai ajudar na forma como se define o tratamento do doente. Muita desta nova tecnologia está a ser colocada nos laboratórios de microbiologia e em hospitais. No futuro, o diagnóstico vai ser muito rápido.

Já se conhecem todas as mutações do bacilo da tuberculose?
Nós compreendemos os genes envolvidos e as mutações envolvidas. Em alguns dos novos fármacos, que pertencem à segunda linha de tratamentos, não sabemos todos os genes envolvidos [na resistência das bactérias a esses fármacos]. Por isso, estamos a trabalhar com vários parceiros e já sequenciámos o genoma de muitos milhares de bactérias de todo o mundo em que conhecemos o perfil de resistência aos fármacos e o mecanismo dessa resistência.

Quando é que este método de diagnóstico vai ser usado nos doentes?
Para já, tem sido usado como instrumento de investigação. Alguns hospitais têm ido buscar a informação da base de dados. Este instrumento não só dá a informação sobre o potencial de uma bactéria para as resistências, a base de dados também diz de que estirpe a bactéria é. E há algumas estirpes que são mais virulentas do que outras. A estirpe de Pequim é muito virulenta, a estirpe de Lisboa também é muito virulenta. Além disso, num hospital é possível armazenar a informação da sequência genética de uma estirpe. Se, daqui a uma semana, o hospital encontrar a mesma bactéria num outro doente, há provavelmente aqui uma prova de transmissão. Por isso, esta tecnologia permite detectar transmissões.

Será acessível para os doentes?
O custo desta tecnologia está a diminuir. E se estivermos a falar de uma enfermaria especializada para a tuberculose num hospital, é possível analisar várias amostras ao mesmo tempo. Por isso, pode ser relativamente barato. Principalmente se compararmos com os fármacos que se utilizam. Se dermos a um doente o antibiótico errado e o tratamento falhar, há um custo associado a essa falha. No futuro, a tecnologia será muito mais barata e o tamanho das máquinas vai ser mais reduzido, potencialmente estas máquinas poderão ser transportadas à mão. Não tenho a certeza de quanto é o custo de um tratamento total contra a tuberculose, talvez seja dezenas de milhares de libras (uma libra vale 1,4 euros). O custo de uma sequenciação do genoma é de cerca de 50 libras (70 euros).

A vossa base de dados continua a evoluir?
Estamos a tentar relacionar as sequências genéticas com os perfis da resistência aos fármacos para encontrar novos marcadores de resistência e potencialmente também novos mecanismos de resistência. Com esta informação, podemos aprender mais sobre o que é que a bactéria está a fazer, qual é a função das novas mutações. Isso é muito importante porque podemos permite desenvolver novas ferramentas, diagnósticos e possivelmente tratamentos — e, algures no futuro, uma vacina.
 

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