Preparar famílias que querem criar filhos alheios

Experiência de associação de Famalicão pode vir a ser replicada.

O presidente da associação Mundos de Vida, Manuel Araújo, está convencido de que não é por falta de solidariedade que tantas crianças vivem em centros de acolhimento temporário ou lares de infância e juventude, mas por não haver um programa de acolhimento familiar a funcionar em todo o país.

Quando nesta instituição se começou a pensar nisso, a Segurança Social não estava a recrutar famílias de acolhimento. Não havia programas de formação especializados, nem acompanhamento permanente, apenas alguma vontade e algum apoio financeiro.

Ninguém lhes fechou a porta quando em 2005 chegaram à Segurança Social com um programa específico, recorda. E deste então, através do chamado “Procuram-se Abraços”, recrutaram e formaram 127 famílias que acolheram 131 crianças nas suas casas, distribuídas por 11 concelhos dos distritos de Porto e Braga. A sua experiência deverá agora ser replicada noutras partes do país.

Neste momento, estão 62 crianças em casa de famílias que, na maior parte dos casos, têm as suas. Não são famílias profissionais, como existe noutros países. Em determinada fase, querem ajudar filhos alheios a crescer. Por isso, explica Manuel Araújo, o esforço para alimentar a bolsa de famílias é contínuo. 

Todos os anos, a Mundos de Vida faz campanha para atrair novas famílias de acolhimento. No dia-a-dia, mantém um serviço telefónico por intermédio do qual reúne contactos de eventuais interessados, a quem esclarece as dúvidas e convida para participar num “encontro informativo”. A selecção começa com uma conversa. A equipa técnica avalia a dinâmica familiar, a rede de suporte, as expectativas do acolhimento. Antes de tomar uma decisão, visita a casa e faz uma “entrevista de confirmação”. O programa de formação, esse, tem seis sessões e desenrola-se à noite ou ao fim-de-semana.

São famílias com diversos perfis. Muitíssimas – uns 85% – têm filhos. A morada, a casa, o agregado - tudo influencia na hora de entregar uma criança. Se é uma família com adolescentes, tem mais sentido lá colocar um adolescente, exemplifica. Se é uma criança da Maia, não a vão colocar em Braga, torna a exemplificar. Há que facilitar o contacto com a família de origem, a menos que o tribunal decida inibi-la.

Em princípio, as família de acolhimento cuidam de uma criança uns meses ou uns anos, até ela poder voltar para junto dos pais ou se tornar autónoma. Manuel Araújo gosta de as comparar com padrinhos que cuidam de um afilhado quando os progenitores, por qualquer razão, não o podem fazer. Criam-se laços em seu entender incomparáveis com os que existem em lares ou centros.

Manter tantas crianças em instituições parece-lhe absurdo. Não é melhor para elas – nalguns sítios até se proíbe a sua institucionalização até aos três ou mesmo aos seis anos. Nem é mais barato: manter uma criança numa instituição custa, no mínimo, 700 euros por mês ao Estado. O problema, diz, é que ter bolsas de famílias de acolhimento dá muito trabalho. É preciso chegar às famílias, cativá-las, prepará-las, apoiá-las para que consigam cuidar de crianças amiúde muito marcadas.

Manuel Araújo espera que a mudança legal seja seguida de um “plano de acção”. Sem isso, acha impossível mudar o paradigma do acolhimento em Portugal. 

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