As visitas às escolas

1. Havia um ministro de Salazar que aparecia de repente nos hospitais. Os jornais da época noticiavam: “Ontem de manhã, sem aviso prévio, o Ministro da Saúde e Assistência visitou o hospital…, tendo sido recebido pela administração e representantes do corpo clínico. A imprensa, só convocada naquele momento, viu o governante interessar-se pelo funcionamento do hospital e assistiu a uma breve troca de impressões com a direcção do hospital…”

Na minha juventude, sempre achei interessantes estas visitas-surpresa, em contraste com as reuniões programadas, para as quais os doentes eram lavados e arranjados e até vasos de plantas eram colocados nos trajectos a percorrer pelo ministro, recebido pelos dirigentes do hospital em poses de altos dignitários do regime… mesmo por aqueles que, em surdina, se confessavam da oposição. Na altura, achava que estas visitas de surpresa tinham algo de inspecção policial, mas hoje admito que os meus olhos de então viam polícia em toda a parte…

Vem tudo isto a propósito das visitas às escolas que realizo nos tempos de hoje. Programadas com todo o cuidado e com antecedência considerável, são momentos de partilha que muito aprecio. As minhas intensas actividades na faculdade e no hospital deixam-me, neste momento, pouco tempo livre para estas visitas, por isso selecciono o pedido e programo tudo muito bem, sem esquecer o pedido de transporte, sempre que as deslocações implicam maiores distâncias.

Procuro falar com alunos, professores e pais, por vezes troco algumas palavras com os funcionários, quase sempre afastados destas acções de formação. Informo-me sobre projectos inovadores na escola e questiono alguns sobre o clima escolar, não esquecendo a forma como todos estão a lidar sobre o grande problema do momento, o combate à indisciplina. Fico, julgo eu, com uma impressão global sobre o funcionamento daquele estabelecimento de ensino e com uma ideia razoável sobre os relacionamentos interpessoais, que constituem o meu principal centro de interesse.

Numa visita recente, tudo parecia ter corrido bem: presença de professores e alunos, a Associação de Pais a organizar um lanche e a dar a sua opinião, edifício remodelado e agora com excelentes condições, debate muito participado. No entanto, uma mãe sussurrou-me, enquanto me pedia um autógrafo no meu recente O Tribunal É o Réu: “Sabe, Professor, é uma pena o discurso de algumas professoras não condizer nada com a sua prática… aquela senhora de amarelo, tão bem falante, passa as aulas a insultar os alunos…” Não a deixei prosseguir, tinha tudo corrido tão bem, sugeri que discutisse com a Associação de Pais e fizessem uma proposta… mas no regresso fiquei a pensar no ministro de Salazar, quem sabe se também tudo se disfarça quando vou a uma escola? A verdade é que a mudança só ocorrerá com linguagem clara e práticas transparentes.

2. Morreu o romancista americano James Salter, que descobri na Feira do Livro deste ano. Tinha acabado de fazer 90 anos e partiu com serenidade, durante uma sessão de ginástica. Escreveu apenas seis obras, mas nos últimos anos era aclamado pela crítica.

Li há 15 dias o seu romance Tudo o Que Conta, em tradução excelente de Francisco Agarez, que a renovada editora Livros do Brasil acaba de publicar. Não o sugiro para as férias de Verão, recomendo-o para leitura urgente. É um grande romance, que não nos deixa indiferentes e nos faz regressar ao tempo da Segunda Guerra Mundial e à década de 60, sempre numa linguagem concisa e certeira.

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