Pelo deserto

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Miguel Nogueira

Imaginem que um dia António Costa tem mesmo de formar governo: ou seja, escolher 15 pessoas para sentar à volta de uma mesa e governar o país.

Há primeiro o problema político. A esquerda e a extrema-esquerda nunca aceitarão dar a cara, sem concessões que inevitavelmente só podem arruinar o minucioso equilíbrio programático do novo PS. A direita da coligação (a única que existe) nunca aceitará um conúbio, que dividirá o PSD e que talvez torne o CDS numa força considerável, se não decisiva. Por outras palavras, Passos Coelho e o misterioso Marco António mandam mais do que Manuela Ferreira Leite, de quem os militantes não gostam. Costa ficará assim de mãos vazias quer se vire para um lado, quer se vire para o outro. Não será, como ele gostaria, um centro de atracção, será um centro de repulsão.

Mas, como a Constituição o impede de deixar vazia a mesa do Conselho de Ministros, acabará por ir procurar os seus sequazes ao “socialismo”, definido como uma mancha vaga de gente com cartão e sem cartão. A de cartão e, às vezes, com assento na Assembleia da República, não se distingue pela sua alta qualidade. O velho e bom Ferro Rodrigues está a pedir reforma. A geração seguinte não tapa o vazio da derrota de Sócrates. Portugal não olhará com muita confiança para um governo de João Galamba, Jorge Lacão e Sónia Fertuzinhos. Claro que António Costa já arranjou com certeza quatro ou cinco dos “sábios”, que lhe andaram a escrever papéis, mas que o público não conhece e em que naturalmente não confia. E o que sobra entre a emigração para o Parlamento Europeu e os “negócios” da crise preferiu ficar de fora.

O socialismo não enfraqueceu só politicamente, perdendo pelo mundo inteiro deputados, maiorias, governos, presidências. Pior do que isso, o regresso ao desemprego de massa e o fracasso anunciado do Estado Social transformaram um programa e uma doutrina numa escaramuça de retaguarda em defesa do funcionalismo público (da administração ou de qualquer EP), como se dele dependesse a salvação da humanidade. Hoje, por grande que fosse a indignação com Coelho e Cavaco, ninguém iria escolher essa pífia causa como fim e direcção da sua vida política. Basta ver televisão ou ler os jornais para constatar a distância que separa o cidadão comum do que por aí gritam os “jovens” do partido. António Costa anda por esse país a ser abraçado, mexido, beijocado. Anda sem ninguém: como quem atravessa um deserto.

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