Espólio de inquéritos a Camarate digitalizado e no site do Parlamento

Não foi possível estabelecer nexo de casualidade entre o veto à venda de armas para alguns países e a morte do ministro da Defesa, Amaro da Costa, que acompanhava Sá Carneiro. O relatório da X comissão de inquérito é debatido esta terça-feira.

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A X comissão de inquérito termina hoje os seus trabalhos Daniel Rocha

O espólio das dez sucessivas comissões parlamentares de inquérito à tragédia de Camarate - a queda a 4 de Dezembro de 1980 do aparelho Cessna naquele bairro lisboeta junto ao aeroporto da Portela, no qual morreram o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, o titular da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes - vai ser digitalizado e colocado no site do Parlamento. Esta é a recomendação da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate que termina esta terça-feira. O que leva a concluir que a questão que mais comissões de inquérito suscitou na Assembleia da República chegou ao seu fim.

As conclusões dos trabalhos são escassas de novidades ou revelações. Os deputados consideram que a queda do Cessna se deveu a um atentado. Já em 1991, por maioria PSD/CDS, tal foi a posição assumida pela IV comissão parlamentar de inquérito e, quatro anos depois, em 1995, a mesma conclusão foi aprovada por unanimidade dos grupos políticos participantes. Também a sexta e a sétima comissão de inquérito no âmbito da Assembleia da República, respectivamente em 1999 e 2004, referiam a existência de uma acção criminosa e a presença a bordo do aparelho de um engenho explosivo.

A X comissão, criada em 2012 por resolução da Assembleia da República, dedicou especial atenção ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU). Um organismo criado em 1937 e que tinha como desígnio satisfazer encargos originados pelas forças militares portuguesas nas ex-colónias. Os deputados investigaram o FDMU, uma espécie de “saco azul” no tempo da guerra colonial, formalmente extinto em 1980, cinco anos depois da conclusão dos principais processos de descolonização, mas que permaneceu activo sob a forma de um fundo privativo até 1993.

O motivo desta sua longevidade não foi justificado. Os parlamentares averiguaram, também, se o FDMU foi utilizado como meio canalizador para a exportação de armas, mas não foi possível estabelecer tal nexo de casualidade.

Este aspecto, a venda de armas e munições portuguesas para o estrangeiro, transformou-se numa das pistas para encontrar uma explicação para Camarate. Até porque o titular da Defesa, Amaro da Costa, vetou o comércio de armas para alguns países, nomeadamente a Argentina, Guatemala e Indonésia. Nesta versão, este comportamento do dirigente do CDS tê-lo-ia tornado potencial alvo de interesses relacionados com a venda de armamento.

Os trabalhos da comissão –apoiados em vários depoimentos e em notícias da imprensa da época - permitiram confirmar a venda de armas e munições de Portugal para o regime de Teerão em 1980 e 1981. Mesmo após o corte de relações comerciais com o Irão – o embargo decretado pelo Governo de Sá Carneiro de 21 de Abril de 1980 - e da inexistência de autorização de exportação de armamento pelo Ministério da Defesa. Aliás, cinco dias depois da queda do Cessna em Camarate, a 9 de Dezembro de 1980, uma auditoria da Inspecção Geral de Finanças referiu envios de armamento para Teerão, assim como em 26 de Janeiro de 1981.

Estas vendas, segundo alguns dos declarantes, nem sempre eram feitas directamente. Assim, segundo estes testemunhos, o aeroporto da Portela, em Lisboa, terá sido utilizado como plataforma de transbordo para o embarque num cargueiro da Iran Air de 100 canhões sem recuo originários de Israel. Contudo, a comissão não estabeleceu relação alguma entre estas operações, algumas ilícitas pois violavam disposições das autoridades portuguesas e internacionais, e Camarate.

Do mesmo modo, foram infrutíferas as diligências dos deputados junto de diversas embaixadas ocidentais em Lisboa – França, Estados Unidos e da então República Federal Alemã – para descortinar se os serviços de informação daqueles países tinham material sobre o tráfico de armas em Portugal. Também ficaram sem resposta os pedidos de informação junto dos actuais responsáveis pela custódia dos arquivos da antiga polícia secreta da República Democrática Alemã - a Stasi – para apurar da existência naquele espólio de referências ao atentado de Camarate. O motivo desde pedido prendeu-se por, em anteriores comissões parlamentares, ter sido veiculada a possibilidade de conhecimento da Stasi do sucedido na noite de 4 de Dezembro de 1980.

No entanto, a X comissão parlamentar trouxe novidades sobre a morte de José Moreira e sua acompanhante. Moreira tinha colocado um seu avião à disposição da campanha eleitoral do candidato presidencial da Aliança Democrática, General Soares Carneiro, e apareceu morto dias antes de se ter oferecido para declarar na I comissão de inquérito.

As investigações apontaram para um acidente com gás, mas os depoimentos dos médicos forenses e análises posteriores revelaram um facto insólito: a ruptura de alvéolos. Que, segundo os especialistas, apenas se pode atribuir a asfixia mecânica. Ainda assim, apesar de se ter passado de um acidente à suspeita de homicídio, os deputados consideram não ser possível estabelecer um nexo de casualidade entre as possíveis revelações que iria fazer aos parlamentares e a sua morte.

Quanto aos depoimentos dos confessos perpetradores do atentado – Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda – ouvidos em sessões à porta fechada, a comissão não retirou elementos coerentes, inequívocos e irrefutáveis. “São, apenas e só, uma versão incoerente dos trágicos acontecimentos que conduziram à tragédia de Camarate”, considera.

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