Mais depressa se apanha Portugal do que um coche

Admito que estava céptico em relação ao novo Museu dos Coches. Para mim, não havia justificação para se gastarem 40 milhões de euros num edifício novo, quando o edifício antigo servia perfeitamente. Ainda para mais, com os custos de manutenção a triplicarem para 3,5 milhões de euros por ano.

Mas, sei-o agora, estava errado. Tinha o paradigma todo enviesado. Eu achava que se tinha gasto uma fortuna numa garagem de charretes novas, quando já havia uma garagem de charretes, apenas para dispor melhor as charretes e proporcionar melhores condições de visionamento de charretes aos apreciadores de charretes.

Só que, não. Porque o Novo Museu dos Coches não é um mero novo museu dos coches, é muito mais do que isso. Descobri-o no dia 13 de Junho quando o visitei e o único meio de transporte que pude ver foi o autocarro de turistas estacionado à porta.

É que o museu estava fechado. Eu e os turistas demos com o proverbial nariz na porta (ou com o nariz na proverbial porta, ainda não sei bem). Tudo bem que era uma porta com design moderno, envidraçada, mas, ainda assim, uma porta. E fechada. No meio da porta, uma fotocópia afixada com fita-cola (de design retro, a melhor fotocópia e fita-cola que 3,5 milhões compram):

“Nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 3, da LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, e nos artigos 3.º, n.º 3 e 18.º, n.º 2, do Regulamento Geral de Horário de Trabalho, aprovado pelo Despacho 3577/2015 (DR, 2ª Série, n.º 70, de 10 de Abril), do Exmo. Senhor Director-geral da DGPC, os Palácios, Museus e Monumentos estão encerrados ao público nos feriados municipais”.

Qual Camões, qual Fernando Pessoa! O contínuo que redigiu este edital é que é o bardo da portugalidade. Nenhum poeta tem a capacidade de articulação de artigos, devidamente referenciados com números de série do Diário da República, só ao alcance de alguns, poucos, funcionários administrativos. Os Lusíadas e a Mensagem glorificam o nosso país, mas o texto que define Portugal é esta circular. Os portugueses são “aqueles que por obras valerosas / se vão da lei da morte libertando”, mas da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que é mais poderosa, não se conseguem libertar.

Olhei para os turistas. Queriam visitar antiguidades com 300 anos, mas acabaram por ver regulamentos ainda mais arcaicos. Mas não estavam irritados, nem frustrados. Estavam elucidados. Se o museu estivesse aberto, podiam ter visto o landau do regicídio. Depois, podiam ter ido visitar a Torre de Belém, os Jerónimos e o Padrão dos Descobrimentos. E até podiam ter ido ao Museu Nacional de Arte Antiga ver os Painéis de São Vicente. Porém, não iam aprender tanto sobre Portugal como naqueles 30 segundos em que se aperceberam que o museu sumptuoso e recém-inaugurado que tencionavam visitar estava fechado a um Sábado de Junho, com Lisboa cheia de turistas.

Os 40 milhões, uma fortuna para albergar coches, tornam-se em pechincha, se serviram para explicar Portugal. Valeu a pena o investimento. Até porque o Museu dos Coches junta-se ao grupo dos melhores museus do mundo, museus onde também é difícil entrar. Se bem que nesses é porque as filas são grandes.

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