Metade dos refugiados do mundo são crianças como a síria Hala ou Shiloh

A embaixadora do ACNUR, Angelina Jolie, passou parte de sexta-feira e de sábado com refugiados sírios, no Líbano e na Turquia. Levou a filha, de nove anos. No Dia Mundial dos Refugiados, António Guterres pediu às nações ricas para pararem de “se esconder atrás de muros”.

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Angelina Jolie rodeada de refugiados na chegada ao campo de Mardin, na Turquia Umit Bektas/Reuters

Há 60 milhões de deslocados no mundo, mais do que alguma vez na história registada pelas Nações Unidas, e o número não pára de crescer. Em 2014, todos os dias mais de 42 mil pessoas fugiram das suas casas e muitas deixam os seus países. Nenhuma zona do mundo escapa, mas é da Síria que mais se foge. Por isso, a Turquia já é o primeiro país de acolhimento: oficialmente, o país recebe 1,6 milhões de refugiados, as estimativas indicam que serão perto de dois milhões.

O Alto Comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres, decidiu por isso passar o Dia Mundial dos Refugiados num campo turco que recebe mais de 3000 sírios e quase 2400 iraquianos yazidis, uma minoria religiosa de etnia curda especialmente perseguida pelos radicais. Com o ex-primeiro-ministro português esteve a embaixadora do ACNUR, Angelina Jolie, e o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Um dia depois do início do Ramadão, o mês de jejum sagrado para os muçulmanos, Guterres e Jolie ficaram no campo de Akçakaya, na província de Mardin, até ao pôr-do-sol, para participar no iftar, a refeição de quebra do jejum, com os refugiados.

Jolie já visitou muitas vezes os sírios que encontraram refúgio na Turquia, mas também na Jordânia (620 mil registados) ou no Líbano (mais de 1,15 milhões)Começou a fazê-lo em 2011, logo depois da revolta pró-democrática que o regime de Bashar al-Assad reprimiu, e continuou ao longo dos últimos quatro anos, à medida que a vida na Síria se tornava cada vez mais insuportável para os habitantes de boa parte do país, palco de bombardeamentos do regime, de uma guerra civil ou de batalhas entre rebeldes árabes e curdos contra os jihadistas do autodesignado Estado Islâmico.

Deixar de contar os dias

Metade dos 60 milhões de deslocados e refugiados do mundo são crianças, a maioria com menos de onze anos, dados que se aplicam à crise síria, a “maior operação humanitária” que o ACNUR teve de enfrentar desde que as Nações Unidas foram fundadas, há 70 anos. Em Agosto de 2013, quando os refugiados sírios contabilizados eram dois milhões (incluindo um milhão de crianças), em vez dos actuais quatro, Guterres pedia ao mundo para parar e se perguntar: “Como podemos, em plena consciência, continuar a falhar às crianças sírias?”

São as crianças que mais têm marcado Jolie nas suas viagens e é por isso que antes de aterrar na Turquia a actriz foi ao Líbano visitar Hala, uma menina  de 12 anos que a embaixadora conheceu no fim do ano passado. Hala vive num campo no Vale de Bekaa, perto da fronteira, e Jolie levou a sua filha Shiloh, de nove anos, a visitá-la. “Ela tinha-me ouvido falar da Hala na minha última visita ao Líbano e queria muito conhecê-la e aos seus irmãos e irmãs”, explicou Jolie, citada pelo diário libanês The Daily Star.

“Foi muito emocional reencontrar Hala e os irmãos e perceber que a situação só piora enquanto o tempo passa”, afirmou. "As suas memórias da Síria estão a desaparecer. Deixaram de contar os dias. Nada é certo e sentem-se abandonados.” Jolie e Shiloh passaram parte da noite de sexta com a família de Hala; sábado, a filha da actriz seguiu com a mãe para a Turquia.

Uma anarquia crescente

No Dia Mundial dos Refugiados, e antes de visitar o campo da província de Mardin, o líder do ACNUR repetiu o que tantas vezes disse desde que assumiu o cargo, há dez anos. Que “os países e as comunidades com menos recursos, que acolhem 86% dois refugiados do mundo, estão no limite e começam a desestabilizar-se”. Que “alguns dos mais ricos entre nós desafiam o antigo princípio de tratar os refugiados como merecedores de protecção, apresentando-os, pelo contrário, como intrusos, desempregados ou terroristas, uma visão curta, moralmente errada e – em alguns casos –, em violação das obrigações internacionais”.

Num momento em que a União Europeia não consegue entender-se sobre o que fazer aos milhares que conseguem chegar vivos às suas costas depois de atravessar o Mediterrâneo, com governos a anunciarem não só que não estão disponíveis para receber refugiados como que planeiam fechar fronteiras, Guterres pede às “nações mais ricas que reconheçam os refugiados como vítimas, pessoas em fuga de guerras que estes estados não foram capazes de prevenir ou deter”.

E avisa: se estes países continuarem a recusar “assumir de forma justa uma parte da sua responsabilidade e a esconder-se atrás de muros” vão fazê-lo enquanto “uma anarquia crescente se espalha pelo mundo”.

“Para mim, a opção é clara: permitir que o cancro da fuga forçada cresça sem tratamento ou gerir esta crise em conjunto”, afirmou o Alto Comissário. Gerir a crise não é “nem fácil nem barato”, mas é o que permitirá “criar boa vontade, prosperidade para as próximas gerações e fomentar a estabilidade a longo prazo”. Pelo menos, diz Guterres, é isso “que a História demonstra”.

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