Pirilampos: as luzinhas da árvore de Natal acenderam-se numa noite de Junho em Azeitão

São milhares de pontinhos que cintilam na escuridão do vale de Alcube. As Noites de Estrelas e Pirilampos prometem fazer esquecer a distância que vai da terra ao céu.

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A luz dos pirilampos deve-se a uma reacção química que produz energia luminosa Parque Biológico de Gaia
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Pirilampo-lusitânico Parque Biológico de Gaia
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Pirilampo-lusitânico: é nos segmentos finais do abdómen que é emitida a luz Parque Biológico de Gaia
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Larva do pirilampo-ibérico Parque Biológico de Gaia
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Fêmea adulta do pirilampo-ibérico Parque Biológico de Gaia
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Pirilampos numa das noites na Quinta de Alcube, na zona de Azeitão Luís Gabriel
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Pirilampos numa das noites na Quinta de Alcube, na zona de Azeitão Luís Gabriel

A noite é de Junho, mas o céu ameaça chuva. Na Quinta de Alcube, na zona de Azeitão, os cerca de 40 participantes vão chegando às pingas – são na maior parte famílias e grupos de amigos. Os mais novos são os mais impacientes. O tempo de espera preenchem-no com saltos e correrias, de lanterna acesa, à procura de algum pirilampo perdido. Mas os pequenos bioluminescentes são apenas visíveis na escuridão, da qual necessitam para viver. E o Sol, aos poucos, vai fazendo desaparecer o seu rasto no horizonte.

Raquel Gaspar é a bióloga que orienta a visita aos pirilampos, contando, ao longo do percurso, a história da vida dos pequenos insectos. Em 2011, esteve na Noite dos Pirilampos do Parque Biológico de Gaia e foi quando se apaixonou por estas luzinhas que são cada vez mais raras. As Noites de Estrelas e Pirilampos, organizadas pela cooperativa Ocean Alive e que custam oito euros por pessoa ou 28 euros por família, surgiram em 2014 e realizar-se-ão até ao final de Junho, de sexta a domingo, na Quinta de Alcube, situada no Parque Natural da Arrábida. “A nossa visita ao Parque Biológico de Gaia serviu de inspiração para o que hoje fazemos aqui na Arrábida”, conta Luís Gabriel Silva, engenheiro físico e astrónomo amador responsável pela sessão de astronomia.

Chegados às margens da ribeira que atravessa a quinta, o espectáculo domina os olhares incrédulos dos visitantes. São milhares de pirilampos machos que cintilam em busca de fêmeas para acasalar. “Os pirilampos que vemos aqui estão no momento final das suas vidas. Depois da metamorfose que os liberta do corpo de larva, esta é a última fase da sua vida, que não durará mais do que uma ou duas semanas”, conta Raquel Gaspar aos participantes. É uma espécie de cerimónia do adeus em forma de dança, um requiem ao compasso intermitente dos milhares de luzinhas esverdeadas.

O desenvolvimento de um pirilampo é semelhante ao conhecido da borboleta. Na sua fase de larva, acumula reservas energéticas para se desenvolver. Alimenta-se sobretudo de caracóis e lesmas, presas de tamanho bastante superior ao seu, que imobiliza através de um veneno, tal como fazem as aranhas. Esta fase dura cerca de um a três anos, e representa a grande parte da vida do animal. Depois de se libertar do exosqueleto, a carapaça, e fabricar uma maior, a larva transforma-se em pupa e forma asas, o estado final da metamorfose. A luz é emitida nos segmentos finais do abdómen, os mais claros. As fêmeas existem em menor número e são muito raras de encontrar. Diferem dos machos na forma e no facto de não voarem, localizando-se junto ao solo. Toda esta transformação completa-se no início do Verão, entre os meses de Maio e Junho, pelo que só é possível observar estes animais no estado adulto durante esta época, altura em que têm lugar as Noites de estrelas e pirilampos.

“Ver um pirilampo é como encontrar um trevo de quatro folhas!” A exclamação é de uma das participantes e mostra como a observação destes animais se tem tornado cada vez mais rara. A degradação do seu habitat é o principal factor para o desaparecimento, e este passa pela poluição dos solos com pesticidas, que os impede de se alimentarem, mas também pela poluição luminosa. O excesso de luz artificial vai inibir a produção da luz nestes animais, que é uma forma de comunicarem e se reproduzirem.

“Cada vez produzimos mais luz e cada vez vemos menos a luz que nos chega do céu”, afirma Raquel Gaspar, alertando ainda para os efeitos da poluição luminosa na observação astronómica. Madalena Antunes, que tem 12 anos e veio com os pais, conta já ter visto pirilampos no quintal de sua casa, em Cabanas, na zona de Azeitão, mas que os milhares espalhados na vegetação da Quinta de Alcube a fazem lembrar “as luzinhas da árvore de Natal”.

Cagalume e luzecu
A luz emitida pelos pirilampos deve-se a uma reacção química entre o oxigénio e uma molécula chamada luciferina, que oxida na presença da enzima luciferase, produzindo energia luminosa. Um processo idêntico ao que acontece com outros seres vivos bioluminescentes, como certas aranhas, moluscos, cogumelos e uma grande parte de animais marinhos. Nos pirilampos, a emissão de luz tem uma função comunicativa – é muitas vezes usada na defesa contra predadores, mas sobretudo durante o processo de reprodução, no qual também intervêm feromonas, e que se inicia ao anoitecer. Os sinais luminosos podem variar na constância e na cor, consoante a espécie.

No pirilampo-ibérico (Lampyris iberica) e no pirilampo-lusitânico (Luciola lusitanica), as espécies observadas na quinta, a luz é esverdeada, sempre intermitente nos machos e nas fêmeas que ainda não acasalaram. Depois do acasalamento, a luz nas fêmeas torna-se fixa. O pirilampo-lusitânico foi pela primeira vez descrito em 1825 e também existe em Espanha, França e Itália. Foram observadas nesta espécie variações no ritmo dos padrões de emissão de luz consoante as populações, o que indica que cada população dentro da mesma espécie tem o seu próprio código de comunicação. Já o pirilampo-ibérico foi descrito em 2008 e existe em abundância no Parque Natural de Gaia, local onde foi identificado no ano da sua descrição. Esta espécie foi durante muito tempo confundida com o pirilampo-europeu (Lampyris noctiluca), cujas diferenças são bastante subtis, sobretudo ao nível da cor.

Já foram, em outros séculos, conhecidos como “cagalume” e “luzecu”, segundo lemos no guia Pirilampos de Portugal, editado pelo Parque Biológico de Gaia este ano (custa cinco euros e pode encomendar-se ao parque). Hoje dão pelo nome, de raízes gregas, “pirilampo”.

“Este é o primeiro guia de carácter bivalente, destinado tanto ao cidadão comum como ao leitor especializado, sobre os pirilampos de Portugal”, refere Henrique Alves, biólogo do parque e um dos autores do guia. A autoria é de uma equipa interdisciplinar, que inclui ainda biólogos e técnicos de educação ambiental do Parque Biológico de Gaia e Raphaël De Cock, biólogo belga e um dos maiores especialistas do mundo em pirilampos.

Conhecem-se, em todo o mundo, cerca de 2200 espécies de pirilampos. Em Portugal, foram avistadas apenas dez dessas espécies, não havendo um conhecimento exacto da sua distribuição pela falta de estudos, mas sabe-se que têm preferência por zonas húmidas, longe dos pesticidas e da poluição luminosa.

Inserida nas comemorações do Ano Internacional da Luz (UNESCO), que está a comemorar-se em 2015, a iniciativa da Ocean Alive pretende ainda alertar para a preservação do habitat destes insectos. Raquel Gaspar, que trabalha também junto da comunidade piscatória do Estuário do Sado para a sua preservação, explica como a poluição luminosa tem influência nos oceanos: “Se gastamos mais luz, estamos a consumir mais combustíveis fósseis e a libertar mais dióxido de carbono para a atmosfera, promovendo o efeito de estufa. Daqui resulta o aquecimento dos oceanos.”

Com a homogeneização da temperatura do mar, o fenómeno de upwelling, que consiste na subida das águas profundas, ricas em sais minerais necessários à fotossíntese, para camadas de água superficiais onde se localiza o fitoplâncton, fica impedido de se realizar. A diferença de temperatura é o que provoca estas correntes. “Sabemos que pelo menos 50 % do oxigénio que respiramos nos chega do mar, do fitoplâncton, mas este é um facto do qual ninguém fala”, acrescenta Raquel Gaspar.

Longe das luzes da cidade, a noite na Quinta de Alcube possibilita também uma sessão de astronomia. Luís Gabriel, para quem a astronomia é uma paixão desde os 15 anos, faz uma breve introdução ao tema, explicando o ciclo de vida de uma estrela: “Daqui a milhares de milhões de anos, o nosso Sol transformar-se-á numa gigante vermelha, isto significa que irá crescer e consumir a órbita da Terra.”

Em grande preocupação fica uma das crianças do grupo, mas sossega assim que o pai lhe assegura que nessa altura “já só os dinossauros viverão na Terra”. O telescópio está montado – é agora hora de espreitar planetas e constelações, e ficar a conhecer as histórias mitológicas que lhes deram nome.

Não há uma hora marcada para terminar a visita, cada um decide quando se deve ir embora. Na escuridão que abraça o vale entre as Serras de São Francisco e São Luís, o céu e a terra cruzam-se, sem truques de magia, em cintilações de estrelas e pirilampos. A noite é longa e a curiosidade não tem fim.

Texto editado por Teresa Firmino

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