A venda da TAP é ou não uma boa decisão?

Tudo indicia que António Costa vai ter argumentos que não só políticos para “decretar” o divórcio.

A discórdia entre o Governo e a Oposição é pública. E o PS anunciou, em caso de formar governo, que tudo fará para anular o negócio.

O PS ao contrário de outros tempos está hoje contra a privatização da TAP, mas ainda não há muito que assumia publicamente a possibilidade de alienação, mas deste facto não vem mal ao mundo até porque em política é muito pouco o que resiste ao passar dos anos.

Hoje como ontem nada tenho contra a privatização da TAP, como também nada tenho contra a concessão do transporte público a privados, desde que adequada e estrategicamente se assegure o interesse público e sobretudo os reguladores funcionem de facto o que nem sempre se tem verificado. Precisamos sem preconceitos de menor Estado e melhor Estado. As empresas públicas nem sempre foram bons exemplos de gestão dos dinheiros públicos.

O preço de venda da TAP por 10 milhões de euros; a situação líquida negativa na ordem dos 500 milhões de euros; a recapitalização num valor de mais de 350 milhões de euros; e a dívida bancária de 1.006 milhões de euros, motivaram o interesse em conhecer o valor dos seus activos. Um valor curiosamente omitido por muitos, a fazer recordar o velho ditado que “ quando a esmola é grande o pobre desconfia”.

Recorri às contas consolidadas e publicadas referentes a 31.12.2014 a que qualquer cidadão poderá ter acesso. Bem sei, decorreu quase um semestre no ano de 2015 e nem tudo nele teria corrido bem. As greves certamente penalizaram as contas do primeiro semestre mas não posso pronunciar-me sem o respectivo balancete contabilístico que não foi nem será disponibilizado ao cidadão.

Tendo por base as contas consolidadas de 2014, os activos consolidados da TAP totalizavam 1.560 milhões de euros e o passivo remunerado totalizava 1.062 milhões de euros. E nas contas não é visível qualquer reserva de reavaliação que contribuiria para um aumento do activo e uma melhoria da situação líquida.

A composição dos activos inequivocamente contraria a visão catastrófica que alguns têm da empresa. No final do ano de 2014 a TAP tinha disponibilidades “ caixa e bancos” que totalizavam 241 milhões de euros. As dívidas de clientes totalizavam 147 milhões de euros e as existências/inventários o valor de 97 milhões de euros.

No passivo para além do bancário existiam dívidas a fornecedores de 141 milhões e o restante passivo era constituído por diferimentos, impostos diferidos, provisões, documentos pendentes de voo e outras contas a pagar. Aliás, os documentos pendentes de voo passaram de 365 milhões de euros em 2013 para 304 milhões de euros em 2014.

Na conta de exploração consolidada constatamos que a TAP facturou em 2014 o montante de 2.698 milhões de euros, mais 10,8% que em 2013. Os gastos com pessoal totalizaram 579 milhões de euros e representam 21,4% da facturação. Os juros suportados totalizaram 85 milhões de euros e representam 3,1% da facturação. Estes números não traduzem nem excesso de pessoal, nem inadequado endividamento. Outros números há na estrutura de custos que assumem maior relevância, como os FSE, a ultrapassarem os 63% da facturação em 2013 e a agravaram-se 4% em 2014, mas sobre estes nada posso adiantar por manifesta falta de elementos, estes mais a alcance das auditorias, bem como seria tão interessante conhecer quais são os derivados financeiros que provocaram em 2014 um prejuízo de 57 milhões de euros. Apesar do prejuízo do exercício apresentado os meios libertos pela actividade da empresa foram positivos.

Não posso deixar de me associar a Marcelo Rebelo de Sousa ao considerar que o casamento da TAP não é o ideal e até acrescento ser o dote muito escasso. E mais escasso se torna quando os 38% que o Estado não aliena, for por efeito da recapitalização – aumento do capital social – de mais de 350 milhões de euros, reduzido a pouco mais de 1%, ou em alternativa, o Estado ao contrário do que diz, terá de injectar no capital social da TAP mais cerca de 100 milhões para manter os 38%.

O casamento pode não ser o ideal, mas intencionalmente ou não os padrinhos – sindicato dos pilotos – anteciparam-no e em muito. Às vezes dou por mim a pensar em Maquiavel. Não sei se será possível contratualmente blindar o negócio, mas tudo indicia que António Costa vai ter argumentos que não só políticos para “decretar” o divórcio.

Economista, ex-deputado do PS

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