Violação com penas mais pesadas, em mais casos e MP com mais poder

Parlamento vota nesta sexta-feira várias mudanças no Código Penal em relação aos crimes sexuais. BE considera que se abriram “portas” que permaneceriam fechadas se não fosse este partido a agitar o debate.

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BE queria ir mais longe, mas ainda assim mostra-se satisfeito com o texto final Pedro Vilela

Quem constranger outra pessoa a praticar sexo, mesmo que o faça sem recorrer a determinado grau de violência, pode ser punido com pena de prisão de um a seis anos. A proposta de alteração em relação ao que existe agora no Código Penal inclui não só uma formulação mais abrangente acerca do que se entende por violação, como alarga a moldura penal e a pena passa a poder ser efectiva.

Esta é apenas uma das mudanças incluídas no documento, que deverá ser aprovado nesta sexta-feira na Assembleia da República e que reuniu contributos de projectos-de-lei, em discussão e análise desde o ano passado, da maioria, do PS e do BE. Uma outra alteração prevê que, mesmo que a queixa seja retirada, o Ministério Público (MP) pode avançar com o processo se o interesse da vítima o aconselhar.

Actualmente, o Código Penal estipula que o procedimento criminal relativo à violação depende de queixa, o que se mantém. Porém, há uma mudança: até agora, quando o crime for praticado contra menores de 16 anos, o MP pode dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser. Esta possibilidade é agora alargada e o MP passa a poder, mesmo quando o procedimento depende de queixa, dar início ao processo, “no prazo de seis meses, a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe”. A violação não passa a ser um crime público como o BE queria, mas passa a ser semipúblico, explica a deputada Cecília Honório.

O novo texto também determina que quem, por algum outro meio – mesmo não sendo rigorosamente pela violência, ameaça grave, por pôr a pessoa inconsciente ou impossibilitada de resistir - constranger alguém a praticar qualquer tipo de acto sexual é punido com pena de prisão de um a seis anos.

Trata-se de uma redacção muito diferente da que está em vigor e que estipula que quem, “abusando” da autoridade, numa relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, através de uma ordem ou ameaça, “a sofrer ou a praticar cópula, coito anal ou oral” é punido com pena de prisão até 3 anos. Ou seja, o quadro, que incluía apenas aquelas relações de dependência, alarga-se, bem como a moldura penal.

A bloquista Cecília Honório e o social-democrata Fernando Negrão salientam que tal permite que, quando a violação acontece num namoro ou casamento, e um dos parceiros obriga o outro a ter sexo – mesmo que não o faça por meio de “violência, ameaça grave” ou por pôr a pessoa inconsciente ou impossibilitada de resistir – pode ser punido com pena até seis anos. Cecília Honório frisa que esta moldura “têm o aspecto importante” de permitir pena efectiva.

Entre outros pontos, também se definiu que “quem importunar outra pessoa, praticando perante ela actos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.” Até agora, a lei não incluía a formulação de propostas de teor sexual, nem o constrangimento a contacto de natureza sexual.

Como já tinha sido avançado, a perseguição, stalking, passa a ser crime. “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa.” Entre outras disposições, determina-se, neste caso, que a tentativa também é punível.

As propostas sobre assédio sexual, violação e coacção sexual partiram do BE. Lembrando que o processo foi promovido no âmbito da Convenção de Istambul, ratificada por Portugal, Cecília Honório destaca o contributo do seu partido, que agitou o debate: “Há portas que foram abertas e que não estariam, é um avanço.” O deputado social-democrata Fernando Negrão congratula-se por ter havido “consenso no grupo de trabalho”.

No texto final, a redacção não vai tão longe como desejavam os bloquistas, mas ainda assim Cecília Honório diz que são passos importantes para dar mais garantias às vítimas, quase sempre mulheres. 

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