Câmaras da AML recorrem à justiça para travar regime jurídico dos transportes

A Área Metropolitana de Lisboa fala num "manifesto e irreversível prejuízo" para municípios e populações e acusa o Governo de"desvirtuar profundamente o princípio da descentralização".

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O presidente do Conselho Metropolitano considera que este processo "é de uma gravidade enorme" Vitor Cid/Arquivo

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) vai interpor uma providência cautelar com o objectivo de suspender a aplicação do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros (RJSPTP), por entender que este vai provocar um “manifesto e irreversível” prejuízo aos 18 municípios que a integram e às suas populações.

A decisão de proceder judicialmente contra a Lei n.º 52/2015, do passado dia 9 de Junho, foi tomada esta quinta-feira em reunião do Conselho Metropolitano de Lisboa. A Câmara de Cascais (PSD) absteve-se, tendo sido o único município presente a não votar favoravelmente a proposta, cuja concretização ficará agora a cargo da Comissão Executiva Metropolitana.

O presidente da Câmara do Seixal (PCP) foi o primeiro a defender que a AML devia ir além de uma “rejeição liminar” do novo regime jurídico, enveredando em simultâneo pela via judicial. “Devíamos tomar uma providência no campo jurídico para nos salvaguardar. Não podemos receber uma coisa que não funciona”, disse Joaquim Santos, confessando que fica “apavorado” ao pensar no que aí vem.

Com o RJSPTP é extinta a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa (AMTL), transitando para a AML os seus trabalhadores e “a universalidade dos bens e a titularidade dos direitos patrimoniais e contratuais que integram a esfera jurídica” daquela entidade. “A autoridade tem uma competência enorme mas de facto nunca a conseguiu assumir, nunca teve os meios necessários”, sublinhou Joaquim Santos a esse respeito.

Com a nova legislação, que estabelece que “por forma a auxiliar o financiamento das autoridades de transporte, o Governo deverá criar o Fundo para o Serviço Público de Transportes”, a AML assume também um conjunto de “atribuições e competências” no domínio do transporte público de passageiros. “Esta passagem de competências que nos querem atribuir é bastante perigosa”, defendeu o autarca do Seixal, que considera que seria “irrealista e imprudente” aceitá-la nos moldes propostos pelo Governo.

“O ideal seria que as atribuições e competências, que são incertas, não fossem transmitidas nestas condições”, reconheceu o presidente da Comissão Executiva, que já em Março afirmara ao PÚBLICO que o regime entretanto publicado era "impossível de pôr em prática". “Estamos muito preocupados com isto. É um fardo complicadíssimo que se avizinha”, disse esta quinta-feira Demétrio Alves, acrescentando que se se fizesse uma análise SWOT (das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) deste processo se concluiria que ele “só tem ameaças, não tem forças nem oportunidades”.

Demétrio Alves manifestou-se ainda preocupado com a realidade actual da AMTL, cujos trabalhadores transitarão para a AML no dia 9 de Agosto. “O órgão executivo não tem quórum e o conselho geral não funciona”, constatou o ex-presidente da Câmara de Loures, defendendo que “para se perceber o que se vai receber” devem ser envolvidos na transição prevista “o Tribunal de Contas, a DGAL [Direcção-Geral das Autarquias Locais] e eventualmente alguma auditoria externa”.

Os autarcas do Conselho Metropolitano de Lisboa deram ainda conta da sua preocupação com as questões de financiamento. “A AML terá, não sei muito bem como, de financiar o que antes era assegurado pelo Estado”, alertou o presidente da Câmara de Loures (PCP). Para Bernardino Soares, o “objectivo” do Governo não é outro que não “libertar-se” desse custo, transferindo-o para os municípios.

“O ónus é sempre para o mesmo. O poder local vai ser o mensageiro das más notícias”, corroborou a presidente da Câmara de Odivelas (PS), Susana Amador, antecipando que de tudo isto vão resultar “aumentos exponenciais” no preço dos transportes.

Já o presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa sustentou que o modelo proposto pelo Governo “desvirtua profundamente o princípio da descentralização” e “atira para os braços [dos municípios] a necessidade de criar novas taxas”. “Esse peso político cai em cima de nós. É de uma enorme deslealdade”, afirmou Basílio Horta, considerando que todo este processo “é de uma gravidade enorme”.

O presidente da Câmara de Sintra (PS) defendeu ainda a necessidade de, enquanto se procura suspender a aplicação do diploma pela via judicial, se fazer “um estudo sério sobre que responsabilidades vai a AML assumir, uma a uma, e quanto custa cada uma delas”.    

Nesta reunião do Conselho Metropolitano de Lisboa foi ainda decidido que os autarcas irão juntar-se no dia 30 de Junho em Lisboa, junto à Mãe de Água, em protesto contra a agregação dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento. A concentração deverá ocorrer às 10h30, tendo a data sido escolhida por coincidir com a realização de uma assembleia-geral da Águas de Lisboa e Vale do Tejo, que integra 86 municípios.

A realização deste protesto foi proposta pelo presidente da Câmara do Barreiro (PCP), Carlos Humberto Carvalho, tendo ficado decidido que se iria estabelecer o contacto com o Conselho Metropolitano do Porto no sentido de que este possa dinamizar uma acção semelhante no mesmo dia e hora.   

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