A viagem de um pai que foi à procura do filho que deixou na guerra

A história de António Bento e do filho vai ser contada esta quinta-feira no site do PÚBLICO, a partir das 20h00. E este domingo na Revista 2.

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"Quero que ele saiba que tem um pai"

“Entre homens que tinham estado na guerra, às vezes, lá surgiam bocas: ‘Tu deixaste lá um filho, eu foram dois ou três’” — o tom era de vanglória. “Para mim, era sério, mas tinha de levar com um sorriso. Eu não ia contar a chorar.” Muitas vezes também havia chacota: “Olha lá, como é que sabes que o filho é teu?” Olhavam para António Bento como um ingénuo — como é que ele se deixava enganar ao ponto de pensar que “a preta” só dormia com ele. “A quem achei que merecia resposta séria tentei explicar. Que a minha história foi diferente.” E que, por isso, ele sempre quis saber quem era este filho que ele deixou na guerra. O filho foi feito quando tinha 23 anos, hoje tem 63.

Este é o início da história de António Bento que vai ser contada esta quinta-feira no site do PÚBLICO num trabalho multimédia, que será publicado às 20h00, em simultâneo com o programa Grande Reportagem, da SIC. No domingo, poderá ler esta história na Revista 2.

António Bento esteve em Angola entre 1973 e 1975, foi um dos milhares de portugueses que foram enviados para combater na guerra colonial. Mas este ex-furriel diz que será dos poucos que podem dizer: “Fui feliz na guerra.” Fez o mesmo que tantos militares, pagou para ter relações sexuais. Mas diz que a sua comissão foi especial, viveu um ano com a angolana Esperança de Andrade, que ficou grávida quando António foi mandado de volta para Portugal.

Esta é a segunda parte de uma história que o PÚBLICO começou a contar numa reportagem realizada na Guiné-Bissau em 2013, que deu conta das histórias de muitos destes chamados “filhos do vento”, como os baptizou um ex-militar português, fruto de relações entre militares portugueses e mulheres guineenses durante a guerra. Hoje andam na casa dos 40, 50 anos, mas continuam a sonhar conhecer os seus pais “tuga”, choram quando dizem que se sentem “meia-pessoa”. Também existem histórias, raras, de militares que trouxeram os filhos mulatos para Portugal quando eles eram crianças.

António Bento é a história vista ao contrário. É um pai de um “filho do vento” que sempre quis descobrir o filho que ficou para trás e de quem pouco sabia, nem sequer o nome. Os anos de guerra civil angolana, que só terminou em 2002, dificultaram-lhe as buscas. Só o descobriu há cerca de dois anos. Chama-se Jorge e é militar.

O PÚBLICO acompanhou-o nesta viagem ao interior de Angola, até Luena, em busca do filho da mulher angolana que ele deixou grávida há 40 anos, os mesmos que Angola leva de independência.

Nesta viagem, o ex-militar vai ser apresentado a outros filhos de ex-militares portugueses que ficaram para trás. Francisca Dominga Domingo tem exactamente a mesma idade do filho de António, 39 anos, e ela não é meiga com António Bento, à chegada. “Abandonaste-o e agora é que vens?” Ele explica que veio “para lhe dar um abraço”. “Se o meu pai aparecesse, eu não ia recebê-lo com um abraço. Não lhe conheço, não lhe vou dar abraço.”

Ele tenta explicar-se, diz-lhe que acredita que “era difícil encontrar os filhos durante a guerra civil, nem o correio cá chegava”. Explica-lhe que já conheceu os seus netos e Francisca começa a amolecer o tom de revolta, ela que tem nove filhos, a raiva a apaziguar, que isso de ter ido conhecer os netos “é bom” e que talvez se o seu pai também lhe chegasse de Portugal, que “talvez na conversa se pudessem entender”, talvez “depois” tivesse um abraço para lhe dar, talvez. E termina, já dócil, “o meu pai pode aparecer”. “Por que é que o meu pai nunca me quis procurar?”

A maior parte dos “filhos do vento” continua a sonhar saber quem é o seu pai português. Jorge Paulo Bento conseguiu finalmente conhecer o dele, os seus quatro filhos abraçaram o avô português de quem tinham o apelido sem saberem muito bem porquê. Acompanhe esta viagem.

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