E no fim da grande viagem, a sonda Roseta talvez pouse no cometa

A dupla de naves espaciais Roseta-File está a preparar-se para um Verão quente, com os cientistas e engenheiros que as controlam da Terra a redesenharem totalmente os seus planos de trabalho.

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Fotos da actividade do cometa entre 31 de Janeiro e 25 de Março 2015, enquanto vai aquecendo ESA

A missão Roseta ao cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko deverá em breve obter a aprovação da Agência Espacial Europeia (ESA) para se prolongar por mais nove meses do que previsto, anunciaram na quinta-feira responsáveis directamente envolvidos no projecto, numa conferência de imprensa matinal transmitida globalmente, via Web, a partir a Feira Internacional da Aeronáutica e do Espaço, em Le Bourget, perto de Paris.

“A missão deveria normalmente terminar em Dezembro deste ano, mas estamos a prever a sua extensão até Setembro de 2016, finda a qual a sonda Roseta poderá descer até ao cometa, numa lenta trajectória em espiral”, disse Mark McCaughrean, conselheiro científico da ESA, o primeiro do painel a tomar a palavra.

Mas até lá, muitas coisas deverão ainda acontecer e os cientistas e engenheiros envolvidos na missão estão a redesenhar, o mais depressa possível, não apenas a órbita da sonda Roseta em redor do cometa, para maximizar as condições de comunicação com o pequeno robô File, mas também a reprogramar as actividades da File à medida que o cometa se aproxima do Sol.

Recorde-se que a inédita aventura destas duas naves espaciais começou em 2004, quando a Roseta partiu da Terra levando a File a bordo para estudar de perto um cometa e perceber a evolução do nosso sistema solar.

A Roseta atingiu o 67P em Agosto de 2014 e largou o seu pequeno passageiro – do tamanho de uma máquina de lavar e com dez instrumentos científicos a bordo. Mas a File não conseguiu logo agarrar-se ao cometa, ressaltou e acabou por cair num vale, sem luz solar para funcionar. E quando a sua bateria ficou descarregada, entrou em hibernação. No passado sábado, já mais perto do Sol, ela tornou a dar sinais, enviando para o centro de controlo na Terra, através da Roseta, uma pequena parte da informação contida na sua memória. Foi o grande despertar.

O cometa, que neste momento está a uns 300 milhões de quilómetros de nós, deverá atingir a sua distância mínima do Sol no dia 13 de Agosto – e, uma vez que a sua imprevista localização a protege do calor em excesso, a File estará então na primeira fila para apreciar o espectáculo.

“Se a aterragem tivesse acontecido como pensávamos, a missão da File teria acabado em Março, porque os seus sistemas não teriam suportado temperaturas superiores aos 40 graus Celsius”, disse Jean-Pierre Bibring, do Instituto de Astrofísica Espacial de Orsay (arredores de Paris) e responsável científico da File – acrescentado que a pequena sonda “aguentou bem temperaturas que desceram até aos 150 graus negativos”.

O painel confirmou ainda que desde o contacto com a File na noite de domingo, não houve outros – o que era de esperar. Mas já começaram as manobras para reposicionar a Roseta numa órbita mais compatível com a recepção e retransmissão para a Terra dos dados vindos da File. Segundo se lê no blogue da Roseta, na segunda-feira o centro da missão enviou para a sonda orbital instruções que deverão permitir ajustar a sua trajectória – e outras ainda irão ser enviadas na quinta-feira.

Depois, será a vez de começar a operar os instrumentos da File – primeiro os de menor risco, “que consomem pouca energia e não exigem a movimentação da sonda”, explicou Philippe Gaudon, da agência espacial francesa CNES. “Só no fim”, acrescentou, “é que tentaremos rodar a File para fazer uma nova tentativa com o APXS” – um instrumento que, ao ser posicionado a meros quatro centímetros da superfície do cometa, é capaz de detectar partículas ditas alfa e raios X, obtendo assim informação sobre a sua composição química.  

“Agora é que vamos mesmo conseguir completar a missão e talvez ir além do que já sabemos”, disse Jean-Pierre Bibring, agradecendo ao cometa o facto de ser “totalmente diferente do que tínhamos imaginado”. Segundo ele, saber de que é feito o 67P poderá permitir determinar se o nosso sistema solar teve uma evolução específica que permitiu o aparecimento da vida na Terra.

“Sabemos que o cometa não tem uma única manchinha de gelo à superfície”, salientou este cientista, mas uma camada de grãozinhos de matéria que contêm moléculas ricas em carbono. E são esses grãozinhos e não o gelo que cimentam o cometa. Eles surgiram muito cedo, na altura em que uma nuvem molecular colapsou sobre si própria e formou o sistema solar, há 4900 milhões de anos. E talvez tenham sido a semente que colonizou o oceano primordial do nosso planeta, dando origem à vida. A Roseta e a File podem ajudar-nos a perceber se algo de especial aconteceu então.”                                         
 

   

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