Visões diferentes do sistema de pensões dificultam acordo na Grécia

Bruxelas diz que a Segurança Social grega é insustentável. O Governo responde que o problema está na economia e que há pensionistas que já tiveram cortes de 48% nas suas reformas.

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Alexis Tsipras diz que a troika tem de ser mais realista

De um lado 71 milhões de euros, do outro 1775 milhões. Os valores são da poupança com pensões que, respectivamente, o Governo grego está a planear para o próximo ano e que a Comissão Europeia quer que Atenas se comprometa a fazer. A enorme diferença entre os dois números é um espelho da dificuldade a que actualmente se assiste para que seja possível chegar nos próximos dias a um acordo que permita manter a Grécia dentro da zona euro.

A reforma do sistema de segurança social grego é um dos pontos de conflito mais evidente nas negociações para a libertação pela troika da última tranche do segundo empréstimo à Grécia.

Bruxelas quer que Atenas dê novos passos para que o seu sistema de pensões se torne mais sustentável, e que o faça de forma rápida, garantindo também poupanças orçamentais significativas no curto prazo. A Comissão diz que não têm de ser necessariamente de cortes nas pensões, mas quer ver poupanças equivalentes a 0,05% do PIB este ano e a 1% do PIB no próximo. Qualquer coisa como 1775 milhões de euros.

O Governo grego recusa qualquer tipo de novo corte de pensões e contrapõe com uma poupança planeada com pensões de 71 milhões de euros em 2016 (equivalente a 0,04% do PIB), sendo que para 2015 o valor pensado é zero. A medida que aceita implementar é uma limitação progressiva, a partir do próximo ano, das reformas antecipadas.

O desentendimento entre as duas partes é o resultado de visões muito diferentes sobre o mesmo problema. Do lado da troika, o que preocupa são os números que mostram que a sustentabilidade do sistema de pensões grego está em risco. A Grécia é o país da União Europeia que mais gasta em pensões em percentagem do PIB (17,5% em 2015, contra um pouco menos de 15% em Portugal e pouco mais de 13% na média europeia).  Num ranking recentemente elaborado pela Allianz, a Grécia era o oitavo ´país com um sistema de pensões menos sustentável entre 45 países (Portugal era o 17º). Para além disso, num cenário em que se continua a exigir que a Grécia realize poupanças imediatas para reduzir os défices e travar a dívida, os gastos com pensões são vistos pela troika como incontornáveis em qualquer estratégia orçamental que venha a ser seguida.

Do lado grego, a resposta é que os pensionistas já foram alvo de demasiadas medidas nos últimos anos e que pedir mais seria altamente negativo do ponto de vista social e económico. E contrapõem com outros números. Olhando para a despesa em pensões por beneficiário (com paridade do poder de compra), a Grécia já deixa de estar nos primeiros lugares do ranking, descendo para baixo da média europeia. E 45% dos pensionistas recebem um valor mensal que os coloca abaixo do limiar de pobreza.

O problema da insustentabilidade, defende o Governo Syriza, tem a ver principalmente com a redução drástica registada no PIB e com a escalada do desemprego para valores acima dos 25%, que não só fizeram cair as contribuições como ajudaram a manter elevados os benefícios sociais que têm de ser pagos. 

Os cortes recentes
O valor das pensões de que o Governo fala são também o resultado das alterações realizadas ao sistema grego durante os últimos anos, todas elas parte das medidas exigidas pela troika desde 2010, quando o país deixou de se conseguir financiar nos mercados internacionais.

Logo no primeiro programa, a Grécia cortou na totalidade os 13º e 14º meses das pensões superiores a 2500 euros. Para as pensões mais baixas, o corte foi parcial. Estes cortes, ao contrário do que aconteceu em Portugal, não foram repostos, contribuindo decisivamente para a redução de rendimento sofrida pelos aposentados gregos e que vai dos 20% para os pensionistas mais pobres até aos 48% para os pensionistas mais ricos, segundo os números apresentados pelo Governo.

A Comissão Europeia sugere que parte da poupança possa surgir de mudanças a operar nas regras de acesso às reformas antecipadas, que são ainda consideravelmente mais generosas do que na generalidade dos países europeus.

O Governo liderado por Alexis Tsipras aceita que se possam fazer mudanças a esse nível (é daí que vêm as poupanças de 71 milhões de euros em 2016), mas a um ritmo muito mais baixo do que o pretendido por Bruxelas. A razão, dizem, é que num cenário de desemprego recorde, as reformas antecipadas têm sido a solução encontrada por quem, já na fase final da sua carreira profissional caiu numa situação de desemprego. Retirar-lhes essa possibilidade, agravaria ainda mais a situação social no país, argumentou o Governo junto das autoridades europeias.

Aparentemente sem as conseguir convencer. As últimas propostas apresentadas por Atenas foram vistas pelos responsáveis das instituições da troika como muito distantes daquilo que tem vindo a ser pedido, havendo uma forte preocupação em relação à credibilidade das soluções alternativas de poupanças que foram apresentadas pelo Executivo.

O documento apresentado pela equipa grega em Bruxelas, que foi divulgado esta segunda feira pelo diário grego Kathimerini, apesar de aparentemente assumir o excedente orçamental primário desejado pela troika, atinge-o com muito poucos cortes nas pensões e sem subir o IVA, por exemplo, medidas com efeitos considerados mais seguros.

Atenas aposta antes em medidas como a criação de um imposto especial de 12% sobre os lucros das empresas acima de um milhão de euros (com o qual espera obter 600 milhões de euros ao ano), a subida do IRC de 26 para 29%, combate à fraude no IVA e nos combustíveis e aplicação de taxas e licenças sobre os canais televisivos.

Outra diferença fundamental a bloquear o acordo está na insistência grega em incluir um plano de reestruturação da dívida no novo programa.

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