FMI recomenda sistema fiscal mais progressivo para combater desigualdade

Fundo diz que a desigualdade está a crescer, prejudicando o crescimento económico. A flexibilidade laboral, recomendada pelo próprio FMI em muitos países, agrava o problema.

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Entidade liderada por Christine Lagarde está preocupada com agravamento da desigualdade Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

A maior valorização das qualificações trazida pelo progresso tecnológico, os sistemas fiscais menos progressivos e a maior flexibilidade dos mercados laborais são alguns dos motivos para o agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento nos países avançados registado nos últimos anos, defende o FMI que alerta para o facto de mais desigualdade significar em média menos crescimento económico.

Um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional esta segunda-feira – intitulado “Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective” - analisa a forma como evoluiu a distribuição de rendimentos no Mundo, calcula que efeitos isso tem no crescimento económico e identifica quais os factores que mais influenciaram os últimos desenvolvimentos.

Não só se confirma que a desigualdade está ao “mais alto nível em décadas” e que uma maior desigualdade tem como consequência um abrandamento do crescimento da economia, como se conclui que algumas das causas para este resultado estão em políticas já aconselhadas pelo próprio FMI em diversos países, como a flexibilização dos mercados de trabalho.

O Fundo começa por deixar claro que mais desigualdade faz as economias crescer menos. “Se a parte do rendimento dos 20% mais ricos aumenta, então o crescimento do PIB diminui no médio prazo”, afirma o relatório, que em contrapartida estima que “um aumento da parte do rendimento detida pelos 20% mais pobres está a associado a um crescimento do PIB mais elevado”.

Como a desigualdade faz mal ao crescimento, faz sentido perceber o que a está a provocar, para tentar inverter a tendência. Nos países avançados, onde se inclui Portugal, o Fundo encontra vários motivos para a variação registada nos índices de desigualdade.

Um dos mais importantes é o aumento do prémio que é oferecido aos que têm mais qualificações. Com o desenvolvimento tecnológico, a parte da população que tem qualificações que lhes permitem tirar mais vantagens desse desenvolvimento viu os seus rendimentos subirem muito mais do que os que não têm essas qualificações. Para combater esse efeito, o Fundo recomenda que os países invistam mais em educação, nomeadamente para os escalões de rendimento mais baixos.

Outro problema identificado no relatório é o impacto que uma flexibilização do mercado de trabalho pode ter nos níveis de desigualdade. O FMI diz que “a suavização da regulação nos mercados de trabalho está associada com uma desigualdade no mercado e um peso do rendimento dos 10% mais ricos mais elevada”, explicando que “a flexibilidade do mercado de trabalho beneficia os ricos e reduz o preço de negociação dos trabalhadores de mais baixos rendimentos”.

Esta conclusão surpreende porque o FMI tem, em vários países incluindo Portugal, aconselhado os governos a adoptarem medidas que aumentem a flexibilidade dos seus mercados de trabalho. Neste relatório, quando chega o momento de efectuar recomendações de política para reduzir a desigualdade e assim fortalecer o crescimento de médio prazo, o FMI é ainda assim prudente: “Políticas para o mercado de trabalho e instituições bem desenhadas podem reduzir a desigualdade e, ao mesmo tempo, não ser um problema para a eficiência”. É aconselhado que os governos corrijam “imperfeições”, que definam salários mínimos de forma apropriada e que assumam despesas em políticas activas de emprego bem definidas.

O FMI também aponta como motivo para o agravamento da desigualdade as alterações operadas em vários países nos seus sistemas fiscais, que se terão tornado menos progressivos. Isto faz com que, para além do aumento da desigualdade nos rendimentos brutos, se sinta ainda mais um agravamento nos rendimentos líquidos, isto é, depois de cobrados os impostos. Em muitos países, incluindo Portugal, os impostos indirectos têm vindo a ganhar força em relação aos impostos directos, que normalmente têm características mais acentuadas de progressividade.

“A política fiscal já desempenha um papel significativo a enfrentar a desigualdade de rendimento em muitas economias avançadas, mas esse papel redistributivo da política fiscal pode ser reforçado através de uma maior importância para os impostos sobre a fortuna e a propriedade, de uma tributação mais progressiva dos rendimentos, da redução das oportunidades para a fuga aos impostos, de uma melhor escolha dos benefícios sociais, ao mesmo tempo que se minimizam os custos de eficiência”, defende o FMI.

Apesar de todas estas recomendações para reduzir a desigualdade, o relatório publicado pelo Fundo tem o cuidado de salientar que “não há uma receita única para todos os países”. “A natureza das políticas apropriadas varia necessariamente entre os países e precisa de levar em conta as políticas e os enquadramentos institucionais específicos de cada economia”, diz o FMI.

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