E se os pais biológicos quiserem segredo?

Direito de pessoas adoptadas conhecerem as suas origens não é absoluto.

Nem só os adoptados têm direito de conhecer as suas origens. A família biológica também tem direito a não querer ter a sua identidade revelada, a ter a sua vida privada salvaguardada. Havendo conflito entre o direito do adoptado e o direito dos progenitores o legislador não hesita: opta pelo primeiro.

Os processos de adopção plena sempre tiveram carácter secreto. Durante anos, Portugal só protegia os pais adoptivos. A menos que quisessem, a sua identidade jamais seria revelada aos pais biológicos, potencial fonte de concorrência, exigência, chantagem. Depois, os pais biológicos ganharam direito de solicitar o anonimato.

 “O legislador deu sempre pouco pelo segredo dos pais biológicos”, interpreta Rafael Vale e Reis, que há anos estuda o direito ao conhecimento das origens genéticas. “Vale se eles disserem que não querem ser conhecidos e se o adoptado não for lá saber qual é a sua origem.” Se quiser saber, cai por terra o direito dos pais biológicos ao segredo.

Não é tão simples como parece. A Maria Clara Sottomayor, especialista em Direito de Família, ocorre a situação de mulheres muçulmanas que tiveram um filho antes do casamento em segredo. A professora da Universidade Católica, agora no Supremo Tribunal de Justiça, também dá como exemplo os casos de mulheres católicas, residentes em pequenas aldeias, conservadoras, onde ter um filho fora do casamento continua a ser estigmatizante. Que acontece se, de repente, aparecer um filho sobre o qual nunca falaram ao marido?

A pensar em casos destes, países como a França têm uma prática de “parto anónimo”. Em Portugal, porém, a mãe tem sempre nome, mesmo que decida dar o filho para adopção ainda na maternidade.

E a procriação medicamente assistida?
Onde fica o direito às origens na procriação medicamente assistida? Ser dador de gâmetas é uma possibilidade que se abre a todos os homens entre os 18 e os 40 anos e a todas as mulheres entre os 18 e os 35 anos, saudáveis, em troca de algum dinheiro. O legislador optou pelo anonimato.

Na opinião de Vale e Reis, são planos distintos. Em princípio, um adoptado tem uma história com os pais biológicos, salvo nos raros casos em que é rejeitado à nascença. O mesmo não se pode dizer em relação a quem se limitou a ceder material biológico – espermatozóides, células precursoras, ovócitos ou embriões. Partiu-se do princípio que garantir o anonimato facilitaria a angariação de dadores.

Mais: anularia o risco da pessoa assim gerada, depois, bater à porta do dador e perturbar a sua vida familiar. Há, todavia, países que decidiram consagrar o direito destas pessoas a conhecerem os dadores. Em Portugal, por lei, só podem se houver “razões ponderosas, reconhecidas por sentença judicial”.
 

   

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