Embrulhe-me aí um 10 de Junho

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cidadão pessimista e miserabilista que tanto sofria com a crise porque “mal me dá para as despesas” só receber 10 mil euros de reforma é o mesmo Presidente da República que, no seu último discurso do 10 de Junho, ataca os que “têm a tendência para não acreditar no futuro, para duvidar da capacidade e da força do nosso povo”.

O ser humano que gasta metade do discurso de vitória no segundo mandato, em 2011, para apelar à denúncia pública dos autores da “campanha de calúnias” que visavam “enegrecer” a sua reputação, é o mesmo político que afirma em 2015: “não contem comigo para semear o desânimo e o pessimismo quanto ao futuro do nosso país. Deixo isso aos profissionais da descrença e aos profetas do miserabilismo.”

Temos Presidente Cavaco mais uma vez. Temos Silva, temos o nosso Aníbal, não contem connosco para dizer que não temos. “Há mesmo quem faça da crítica inconsequente um modo de vida, um triste modo de vida”, disse Cavaco, mas não é o nosso caso. Não senhor, não senhora. Nós, portuguesas e portugueses, estamos com ele desde o momento em que — pressentindo o apelo histórico e económico do Mar — mandou para a sucata a frota de pesca portuguesa. O defensor da agricultura nacional e da “sustentabilidade” que dava subsídios para arrancar árvores, e subsídios para replantar outras árvores, e ressubsídios para as arrancar outra vez. O visionário do “pelotão da frente da Europa”, o “bom aluno”, o “caso de sucesso” que usou a maior fatia das centenas de milhares de milhões que recebeu da Europa para betonizar de auto-estradas o país, pode agora dizer sem pestanejar, (embora pestaneje há mais de trinta anos no púlpito): “Da mesma forma que nunca vendi ilusões ou promessas falsas aos portugueses...”, etc.

Estivemos com ele quando conduziu aos mais altos cargos da nação política, social e financeira, os cidadãos Oliveira e Costa (escândalo BPN), Dias Loureiro (BPN, SLN e uma história cómica com máquinas de dinheiro em Puerto Rico), Duarte Lima (BPN e Rosalina Morta na Estrada). Andámos um pouco esquecidos da figura quando saiu para os bastidores da política e trocou a hospitaleira vivenda Mariani por um recanto humilde na Praia da Coelha. Depois voltou para continuar a sua obra regeneradora e modernista. Não achamos que ele tenha arruinado milhares de portugueses quando deu garantias públicas de que se podia confiar e investir na recapitalização do BES. Foi azar. Por isso, graças à sua inabalável inteligência, continuamos a pensar sem pessimismo. Não acreditamos em tristes modos de vida.

Temos “quatro pilares” para nos guiarmos na próxima década, sabemos o caminho para os séculos do futuro, essa bela palavra sempre a fugir um dia à nossa frente. É um caderno de encargos que dava para uma ponte suspensa de Lisboa a Berlim, do Ministério das Finanças ao Bundesbank.

1  — O equilíbrio das contas do Estado e a sustentabilidade da dívida pública.

2  — O equilíbrio das contas externas e o controlo do endividamento para com o estrangeiro.

3 — A competividade da economia portuguesa face ao exterior.

4 — Um nível de carga fiscal em linha com os principais concorrentes.

5 — ?

“Independentemente de quem governe”, diz Cavaco Silva. Mas, como explicou Henry Ford quando lhe propuseram pintar os veículos Ford com novas cores:

— Podem pintar os carros da cor que quiserem, desde que seja preto.

Porque há mais um pilar, pintado de laranja, azul e branco. O 5.º pilar da sabedoria cavaquista é:

— Votar outra vez na Coligação PSD-CDS, a Maria disse-me que é o desejo da Nossa Senhora de Fátima.

E porquê? Aqui está uma pergunta miserabilista que não serve para nada. O Presidente explicou ainda há pouco, em Lamego: “Com o esforço e sacrifício de todos ultrapassámos a situação de quase bancarrota a que o país chegou no início de 2011 e, nos últimos tempos, tem vindo a verificar-se uma recuperação gradual da nossa economia e da criação de emprego.” Às vezes teve de “alertar” porque podia ter havido uma “espiral recessiva”, mas “felizmente conseguimos pôr-lhe cobro. ”Quando lá estava o PS estivemos quase a entrar “numa situação de ruptura com consequências sociais catastróficas”. Mas agora até dá vontade de cantarolar, felizes como um coro de desempregados numa tasca.

Agora o que é que era fixe, mas mesmo fixe? Era voltarem os quase 400 mil emigrantes que o primeiro-ministro nunca mandou sair de Portugal, como bem explicou (a rir) o Pedrito no Portugal dos Pequenitos. Isso é que era muita giro. Bom, se os jovens qualificados quiserem ficar lá fora a pensar negativamente, e não voltarem, não é culpa nossa, aqui fizemos tudo para vos explicar que é melhor saírem porque acabou-se a mama, mas ninguém vos mandou pisgarem-se, piegas. E lembrem-se de quem vos quer bem: mandem mais dinheiro de remessas lá do Alasca ou do Japão. É tão bom brincar aos anos 60, Comunidades Portuguesas.

Foi na diáspora que encontrámos o dióspiro.

Enfim, que pena. Que dor. Orfandade. Para o ano já não é um Cavaco Presidente a falar no 10 de Junho.

Mas não sejamos pessimistas: pelo menos é outro.

 

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