Casal de arquitectos recuperou receitas da avó Micas e criou a Pinguça em Arouca

Pedro e Filipa produzem bebidas espirituosas de canela, maracujá, frutos vermelhos, chocolate e mojito. A ideia que se tornou negócio venceu o Prémio Nacional Rural Criativo em 2013.

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Adriano Miranda
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Filipa Casaca não esquece aquelas noites de Natal em que a avó Micas colocava em cima da mesa as bebidas que resultavam de experiências que ia fazendo lá por casa, para os lados de Entre-os-Rios, em Castelo de Paiva. As bebidas funcionavam e rapidamente convenciam a família. E aquela espécie de aguardente com sabor a canela ainda iria dar que falar. Foi a primeira bebida espirituosa artesanal a nascer com a marca Pinguça pelas mãos de Pedro Noronha Dias e Filipa Casaca, casal de arquitectos, ambos com 30 anos.

Casal nos negócios e no amor. Partilham um ateliê de arquitectura na Rua da Restauração no Porto e uma destilaria construída de raiz na freguesia de Alvarenga, em Arouca. Um edifício moderno que destoa na paisagem rural. Linhas direitas, e algumas propositadamente tortas, granito que conjuga com a madeira, um espaço acolhedor. É uma casa de porta aberta a quem quiser espreitar, provar e conhecer esta história que tem uma avó, um avô e um casal que junta no mesmo armário envidraçado as modernas bebidas que vai criando, o carimbo de uma loja que já não existe e medidores de feijão e de vinho de outros tempos – pertences do avô de Pedro, Eduardo de Noronha Dias que tinha uma adega, a Mercearia e Vinhos, ali em Alvarenga. Como homenagem, a destilaria foi baptizada com o seu nome.

Pedro e Filipa chegaram a ter as malas prontas para partir para o Brasil. O trabalho de arquitectura não atravessava os melhores momentos. Mas, de repente, tudo mudou. A bebida com sabor a canela da avó Micas era muito apreciada pelos amigos do casal. Palavra puxa palavra e a ideia de levar algumas garrafas para uma feirinha de Natal no centro da vila de Arouca começou a soar bem ao ouvido. Em Dezembro de 2012, levaram alguns exemplares e acabaram por vender 250 garrafas. O projecto, que ainda não o era, começava a fazer sentido e o casal de arquitectos decidiu apresentar a ideia ao Prémio Nacional Rural Criativo com uma embalagem moderna e com o conceito de transportar a cidade para o campo e de levar o campo à cidade. Pedro e Filipa conquistaram o primeiro lugar. Parecia que não havia volta a dar. “Afinal, a brincadeira era mais séria”, reconhece Pedro. Filipa admite que o prémio deu ânimo para avançar. A partir daí, não mais pararam para concretizar o projecto de fabrico artesanal com produtos locais.

A empresa é constituída em Maio de 2013, no mês seguinte o casal obtém aprovação para construir a destilaria artesanal, em Julho desse ano a Pinguça é reconhecida como produto de qualidade certificada pelo Arouca Geoparque, entrando assim num roteiro que representa e mostra um extenso território, em Agosto chega a certificação de produto artesanal. A destilaria começa a ganhar forma num investimento total de 204 mil euros, apoiado em 73 mil euros pelo programa comunitário Proder – o restante foi suportado por investimento privado. É inaugurada a 9 de Maio deste ano por Castro Almeida, secretário de Estado do Desenvolvimento Regional. Nesse dia, as pinguças deram-se a mais uma experiência. Misturaram-se com cocktails e não se saíram nada mal. Pelo contrário. “A Pinguça é para quem não está habituado a beber aguardente. É uma bebida espirituosa passível de ser misturada com qualquer bebida”, garante Filipa. O baptismo Pinguça acabaria por surgir num jantar de amigos e ficou, por ser nome alegre e resumir numa palavra o público-alvo, ou seja, quem gosta de boa pinga.

Finlândia, Japão e mercado da saudade
No projecto arquitectónico da destilaria, traçado pelo casal, nada foi feito ao acaso. “Quisemos dar-lhe uma componente muito próxima das pessoas, para que estejam à vontade, para que se sintam numa sala de estar onde podem experimentar tudo”, explica Filipa. Nessa ampla sala de estar, com paredes de betão, está uma mesa de madeira comprida e à volta prateleiras com garrafões antigos, a maioria despidos, com o vidro transparente à mostra. Nessas prateleiras serão colocadas essências de frutos que podem ser misturadas, experimentadas, testadas por quem quiser. Se o sabor convencer o casal, a ideia pode ser agarrada para mais uma pinguça. “Se correr bem, chamamos a pessoa e registamos a ideia”, revela Pedro.

Canela foi a primeira pinguça a surgir com a receita original da avó Micas a ser seguida à risca. O travo é rico e quente resultante da lenta maceração da aguardente sobre a canela e especiarias. Hoje há mais quatro sabores, frutos vermelhos, maracujá, mojito e chocolate - a pinguça sazonal. Os testes não param, mas agora tudo acontece na moderna destilaria. “No início, fazíamos em casa, ocupávamos a cozinha da mãe do Pedro”, recorda Filipa.

A Pinguça está à venda em lojas e mercearias gourmet em vários pontos do país. Tem também andado por feiras de produtos tradicionais, de gastronomia, de agricultura. Pedro orgulha-se de ter uma rede de distribuição que anda de porta em porta e que faz questão de contar a história da Pinguça, das bebidas espirituosas que nascem em Arouca. Neste momento, os olhos dos arquitectos estão também fora de Portugal. Finlândia, por ser uma porta de entrada para a Rússia, o Japão, pelos hábitos de consumo, e o mercado da saudade são os destinos que andam a ser namorados. 

Pinguça quer andar de avião e entrar nos hotéis
É preciso fazer muitas curvas para chegar a Alvarenga, mas não faria sentido a Pinguça nascer noutro local que não num terreno de família, perto da adega do avô Eduardo, com as receitas da avó Micas e numa região em que a aguardente não é uma bebida qualquer - e que agora não chega para a produção da Pinguça. Pedro Noronha Dias e Filipa Casaca, que andam entre o Porto e Arouca em viagens de mais de uma hora e com muitas curvas pelo caminho, esgotam a aguardente certificada da região de Arouca para a produção artesanal. E se tudo começou com garrafas de 50 cl, vendidas a 19 euros, este ano surgiu a mini-pinguça em garrafas de 5 cl que custará cinco euros. Não é por acaso que as pinguças mingam de tamanho. A ideia é chegar mais longe, conquistar novos mercados. As pinguças mais pequenas, com frases em português e inglês, são mais fáceis de transportar e assim podem viajar de avião, fazer parte da lista de serviços de bordo e entrar nos mini-bares dos hotéis.

Pedro e Filipa respeitam os antepassados, as heranças, as origens. A avó Micas, que já não está entre nós, é homenageada nas embalagens de todas as pinguças com frases que foram pensadas ao milímetro: “Esta embalagem contém produto português feito com o que de melhor o nosso país tem para oferecer. Permita que esta pinguça o transporte para um lugar onde apenas o apreciador da ‘boa pinga’ consegue ir, naquele em que convive com todos que ama. Obrigada avó Micas”. Além das frases, está a foto da avó Micas para que todos conheçam o rosto da mulher que inspirou a Pinguça e que chegou a provar as experiências que Pedro e Filipa iam fazendo e tecendo os seus comentários que os netos ouviam com todo o cuidado.

O negócio vai de vento em popa. No dia de Natal de 2013, Pedro e Filipa não tinham stock disponível. Nesse ano, a facturação rondou os 20 mil euros, em 2014 duplicou para os 40 mil. Este ano, os números do ano passado deverão ser superiores. Apesar de tudo, o casal de arquitectos tem os pés bem assentes no chão. “Não damos passos maiores do que as nossas pernas”, garante Pedro. A destilaria tem agora um funcionário, o Diogo, ali da região, que cresceu a ver o seu pai a fazer aguardente. Percebe da arte. De Agosto a Dezembro, o quadro de pessoal aumenta para seis funcionários porque o trabalho na destilaria artesanal assim o exige. 

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