Eleições legislativas: que agenda para Portugal e que contribuição para o debate europeu?

Portugal está há demasiado tempo a fugir a um debate que é cada vez mais urgente e que terá de ser abordado com seriedade nas próximas eleições legislativas: que agenda queremos para a União Europeia (UE) e de que forma a queremos adaptar à realidade nacional.

As eleições em Portugal têm-se centrado vezes demais em pormenores da vida nacional, porventura os mais mediáticos e que menos esforço de análise requerem, mas que toldam a visão de conjunto sobre o que realmente importa: a construção do modelo que queremos para o país.

Desta vez, as próximas eleições legislativas terão de incluir a contribuição portuguesa para o debate europeu, porque esse enquadramento é indispensável para conferir consistência às grandes linhas da agenda nacional. A este interesse nacional acresce a responsabilidade na formulação da agenda europeia que decorre de sermos hoje um membro "antigo" da UE e fundador do euro.

Infelizmente, não tem sido essa a postura tradicional: desde a adesão, há quase 30 anos, e sob a falsa desculpa da "pequenez" do país (que nunca fez grande sentido, mas ainda faz menos na atual União a 28), limitámo-nos quase sempre a sofrer as consequências de uma agenda decidida pelos parceiros e que não é necessariamente a nossa.

Desde que a troika entrou no país, em 2011, essa passividade aumentou e raiou a irresponsabilidade, com o Governo a seguir cegamente (quando não entusiasticamente) as imposições de meros técnicos, politicamente inimputáveis, sem jamais questionar a bondade das suas receitas.

Hoje o desastre é evidente: O esmagamento da procura interna sufocou as PME e fez disparar o desemprego; perdemos uma geração de jovens talentosos e bem preparados; o investimento sofreu uma queda histórica; a função pública foi desvalorizada e desqualificada; serviços públicos essenciais (como a saúde e a educação) estão em rotura; a relação de confiança entre os cidadãos e o Estado quebrou-se; a coesão social desapareceu com a exclusão de idosos, crianças e de uma massa de desempregados de longa duração, enquanto a classe média se afoga entre aumentos de impostos e cortes abruptos de receitas. Uma sociedade com tal grau de desigualdades não tem viabilidade. Esta destruição das condições mínimas para alicerçar um futuro para os portugueses é talvez o mais grave e indesculpável legado do atual Governo.

Não podemos continuar neste caminho. Não podem ser as margens fixadas a nível europeu a fazer o papel da agenda nacional, muito embora seja evidente que essas margens têm de ser tidas em conta quando definimos o nosso caminho enquanto país e sociedade. A agenda tem de traduzir o nosso interesse específico, e a próxima campanha eleitoral constitui uma oportunidade única para o definirmos.

Na agenda europeia, hoje é politicamente inviável proceder às alterações de fundo necessárias para resolver as lacunas que persistem, desde o início, no modelo da moeda única, (e que incluiriam mudanças do Tratado da UE), mas isso não justifica desistir da discussão quer dessa visão, quer da agenda possível. Pelo contrário: há inúmeras áreas em que é urgente definir prioridades estratégicas dentro das margens existentes:

- Em termos imediatos, mais do que imputar culpas no caso da Grécia, é do mero interesse nacional mantê-la no euro, por uma questão de solidariedade mas também pelo risco de a UE não conseguir controlar a instabilidade política, económica e financeira associada à sua eventual saída.

- É também o momento de corrigir os mecanismos ad-hoc criados durante a crise: a aberração chamada "troika", que, sem qualquer controlo democrático, define agendas políticas e destitui governos, tem de desaparecer. O Mecanismo Europeu de Estabilidade terá progressivamente de se transformar num Fundo Monetário Europeu sob gestão "comunitária", libertando-se da chantagem a que convida a decisão por unanimidade.

- A União Bancária, que colocou os bancos da moeda única sob as mesmas regras de gestão, supervisão e resolução, não pode continuar a garantir de forma diferenciada os depósitos: a garantia comum de depósitos até 100 mil euros, o prometido terceiro pilar da União Bancária, tem agora também de avançar. 

- Há que recuperar as propostas de 2012 sobre a gestão conjunta da dívida pública dos países do Euro, seja através de um fundo de amortização (o chamado "redemption fund"), ou de eurobonds ou eurobills, porque as atuais taxas de juro, conjunturalmente baixas, escondem dívidas soberanas insustentáveis.

- O investimento público estratégico – educação, investigação, ciência... – ou associado a verdadeiras reformas estruturais – justiça ou administração pública – tem de ser protegido pela flexibilidade das regras de disciplina orçamental. O Fundo Juncker é um princípio mas não chega.

- As práticas fiscais agressivas de alguns Estados Membros têm de acabar: é intolerável que entre países da União se admita um saque institucionalizado de receitas fiscais essenciais aos parceiros.

- A convergência real – económica, social e regional – poderá incluir a definição de níveis mínimos europeus de protecção do desemprego, acessibilidade a serviços essenciais, portabilidade das pensões e reconhecimento das competências.

Estes são apenas alguns exemplos da agenda com que, sem radicalismo, teremos de influenciar o debate europeu. É possível, dentro das actuais margens, fazer substancialmente melhor do que até aqui, como ficou demonstrado no contributo dos "economistas" para o programa do PS. No entanto, um alargamento dessas margens interessa e é necessário numa agenda europeia que, aparentando rigidez, está em constante mudança: a estabilização da segurança dos depósitos, um tratamento favorável do investimento estratégico ou de verdadeiras reformas estruturais, são estímulos adicionais não negligenciáveis para relançar a economia nacional, o emprego e a convergência.

Podemos discutir, discordar ou aperfeiçoar medidas concretas. Mas o que não podemos, por ser pouco inteligente e contra os interesses nacionais, é reduzir a agenda europeia a algo que nos ultrapassa ou a que apenas temos de obedecer.

Somos um parceiro europeu responsável e com direitos legítimos. Não somos alunos, funcionários ou súbditos.

Esta mudança de atitude é fundamental para que Portugal possa levantar a cabeça e enfrentar o futuro com determinação. 

Eurodeputada eleita pelo PS, coordenadora dos Socialistas e Democratas Europeus (S&D) na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu e co-relatora da Comissão Especial sobre práticas fiscais agressivas

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