A culpa foi do café

Escondida durante cinco décadas, a extraordinária obra de Julio Zadik dá-se a ver pela primeira vez em solo europeu.

Fotogaleria
Sin título, Paris Julio Zadik. Cortesía Estate Julio Zadik
Fotogaleria
Sin título, Amatitlán Julio Zadik. Cortesía Estate Julio Zadik
Fotogaleria
Sin título, Tokyo Julio Zadik. Cortesía Estate Julio Zadik
Fotogaleria
Sin título, Belice Julio Zadik. Cortesía Estate Julio Zadik

No campo das descobertas não de novos mas de velhos talentos, talvez a obra do guatemalteco Julio Zadik (1916-2002) seja a proposta mais extraordinária. Como também é extraordinário que um fotógrafo com a sua qualidade tenha permanecido na obscuridade e no silêncio durante cerca de cinco décadas. E se não fossem a Starbucks e o negócio do café talvez ainda hoje os negativos e as provas de época de Zadik continuassem fechados num armário.

Reza o anedotário passado à letra pelo escritor Maurice Echeverría que, depois de se ter interessado pelas fotografias do seu avô, um neto de Zadik, Estuardo Porras, decidiu mostrá-las ao multimilionário Howard Schultz, dono da marca universal de cafetarias, com quem mantinha negócios (Porras é fornecedor de café da Guatemala para a Starbucks). A intenção do neto era propor a Schultz a produção de um livro para distribuir nas suas lojas de café pelo mundo inteiro. Mas – virtudes do destino –, ao que conta Echeverría, Schultz não é um observador qualquer, antes um connoisseur e um dos maiores coleccionadores privados de fotografia dos EUA.

Depois de ver as imagens, o dono da Starbucks disse a Porras que o que tinha em mãos não era apenas para um livro mas sim para “algo mais”. As imagens de Zadik não tardaram a chegar aos olhos de alguns curadores americanos, entre os quais Susan Kismaric, do MoMA, de Nova Iorque. Todos concordaram que se tinha (re)descoberto uma jóia, um referente inovador e único para a fotografia centro-americana da sua época. Com a ajuda da crítica cubana Valia Garzón, Estuardo pôs em marcha um projecto de conservação e restauro que possibilitou a publicação do livro Julio Zadik: un fotógrafo moderno en Guatemala (1937-1965), a partir do qual se organizou também uma exposição que, a partir de 2008, itinerou pela América Latina.

Foto
Sin título, Paris Julio Zadik. Cortesía Estate Julio Zadik

Do ponto de vista formal, Zadik, oriundo de uma família de judeus da Alemanha, é um fotógrafo com um olhar moderno e extraordinariamente perspicaz a fixar linhas de força nas imagens. O espólio que está nas mãos da família compreende cerca de 25 mil negativos (primeiro captados com uma Leica, depois com uma Hasselblad) e cerca de três mil provas de época, numa obra que pode ombrear com outros mestres latino-americanos, como Manuel Álvarez Bravo. Fora do seu continente, não fica a dever nada em criatividade, curiosidade e sentido de oportunidade a Henri Cartier-Bresson, por exemplo. As fotografias de Zadik presentes no PHotoEspaña15, organizadas pelo fotógrafo guatemalteco Andrés Asturias, traduzem empatia, humanidade, dinamismo, sensibilidade e um subtil sentido de humor. É a primeira vez que são mostradas em solo europeu.

Julio Zadik. Un legado de luz
Real Jardín Botánico. Até 02/08

Sugerir correcção
Comentar