Azerbaijão reprime críticos na abertura dos Jogos Europeus

O país que recebe os primeiros Jogos Europeus deteve pelo menos 34 jornalistas e críticos do regime durante 2014. A repressão está a aumentar, dizem as organizações de direitos humanos.

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O Palácio de Cristal, onde vão decorrer algumas das competições dos Jogos

Um dia antes da inauguração dos primeiros Jogos Europeus, o Azerbaijão anunciou que não aceitaria a entrada no país de Owen Gibson, o correspondente do jornal britânico Guardian que em Dezembro publicou uma longa reportagem na qual denunciava o autoritarismo do Governo de Bacu.

Este foi o último caso de uma semana cheia de interdições ditadas pelo Azerbaijão, que intensificou a sua tradicional mão-de-ferro contra jornalistas e organizações de protecção dos direitos humanos que acusam o seu Governo de práticas repressivas.

Na quarta-feira, a Amnistia Internacional anunciou que também ela fora também impedida de entrar no país. A organização tinha agendada a apresentação de um relatório em que documenta as práticas de repressão a jornalistas e activistas críticos ao regime. No início da semana, foi Emma Hughes quem foi barrada no aeroporto de Bacu. A activista britânica do grupo Plataforma, que explora o patrocínio da BP aos Jogos Europeus do Azerbaijão e exige a libertação de jornalistas e presos políticos, foi detida na terça-feira e deportada para o Reino Unido no dia seguinte.

“É profundamente irónico que não se possa fazer o lançamento de um relatório que descreve a maneira como as vozes críticas no país são sistematicamente silenciadas”, afirma Denis Krivosheev, um director adjunto da Amnistia Internacional.

A repressão governamental, contudo, não é nenhuma novidade no Azerbaijão. O país está nos últimos lugares da lista dos Repórteres Sem Fronteiras que avalia a liberdade de imprensa no mundo. De um total de 180 países, o Azerbaijão é 162º.

Mas com a aproximação dos Jogos Europeus, a repressão tem aumentado. “É a maior perseguição que o país testemunhou na era pós-soviética”, escreveu ontem a Human Rights Watch num comunicado. De acordo com esta organização, só em 2014 foram presos pelo menos 35 jornalistas e pessoas críticas do Governo.

Neste momento, avalia a Amnistia Internacional, há no mínimo 20 presos de consciência no país. As acusações —todas elas falsas, de acordo com as organizações — vão desde a posse de droga à fraude fiscal.

Khadija Ismailova é um dos casos apresentados pela Amnistia Internacional no mesmo relatório que a organização foi impedida de apresentar em Bacu. Jornalista de investigação, Ismailova foi detida em Dezembro, quando explorava as ligações da família do Presidente Ilham Aliev a alegados casos de corrupção numa empresa nacional. Foi acusada de ter “incitado um colega a cometer suicídio” e, de acordo com a organização, pode ser condenada agora a 12 anos de prisão. Nada se alterou quando o colega em causa admitiu que fora forçado a apresentar queixa na polícia e que Ismailova estava inocente.

O Azerbaijão foi o único país a candidatar-se em 2012 para acolher a primeira edição dos Jogos Europeus, um projecto criado pelo Comité Olímpico Europeu que tem como objectivo servir como preparação para os Jogos Olímpicos. Mesmo sem oposição, o Azerbaijão teve oito votos contra e as duas abstenções. Com a atribuição dos Jogos Europeus, o país avançou para dois grandes investimentos: infra-estrutura e imagem.

Silêncios do Comité Olímpico
O Comité Olímpico Europeu respondeu ontem às recentes acções do Governo de Bacu. Em comunicado, a organização avançou que o presidente do Comité, Patrick Hickey, se dirigirá ao Governo para apelar pela liberdade de imprensa nos Jogos Europeus deste ano.

Quanto aos presos políticos e repressão governamental, o Comité nada disse. Mas disse em Abril, quando foi acusado por um grupo de organizações para os direitos humanos de “estar em silêncio” diante do autoritarismo no Azerbaijão. “[O Comité] não julgará os processos judiciais e legais de uma nação soberana”, escreveu então, de acordo com a revista Balkanist.  

O consenso é que o país quer servir-se dos Jogos Europeus para melhorar a sua reputação no estrangeiro, embora o seu zelo face à crítica pareça estar a fazer exactamente o contrário. Fez o mesmo quando recebeu o Festival da Eurovisão, em 2012. No futuro terá uma nova oportunidade, quando receber os quatro jogos do Europeu de Futebol de 2020 que lhe foram atribuídos.

E o investimento económico foi significativo. O Azerbaijão, país de profundas desigualdades sociais cuja riqueza vem das suas reservas de petróleo, terá investido mais de 6500 milhões de euros na construção de estádios para os Jogos Europeus. Para além disso, o Azerbaijão ofereceu-se para pagar as viagens e estadias dos atletas europeus.

O Azerbaijão é uma autocracia que tenta passar por regime democrático. Na prática, Ilham Aliev herdou a presidência depois da morte do seu pai, Heidar Aliev, em 2003. Heidar era um altos responsáveis da União Soviética e manteve-se no governo do Azerbaijão depois da transição.

Ilham venceu as três eleições presidenciais que se disputaram desde 2003 com resultados sempre acima dos 75%.

As eleições de 2013, que a OSCE diz terem sido manipuladas, tornaram-se na imagem internacional das restrições políticas do país. A um dia do início da votação, o Governo lançou uma aplicação móvel que, acidentalmente, antecipava uma vitória do Presidente com 72,7% do total. Ilham Aliev acabou por fazer melhor e ganhar com 84,6%.      

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