A mentira dos Centros de Alto Rendimento

Não me recordo de um único jogador que, por pertencer aos eleitos, tenha evoluído como atleta e como homem

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Enric Vives-Rubio

Como nota prévia a este artigo, não posso deixar de assinalar que muita coisa boa existe e permanece no nosso râguebi. Mesmo os Centros de Alto Rendimento (CAR), cujo tema abordarei neste artigo, são algo que trazem muita coisa de positivo, ajudam na organização e na dinâmica do râguebi nacional. Posto isto, parto para análise do tema em epígrafe: a mentira dos Centros de Alto Rendimento.

 

A primeira mentira assenta, desde logo, na feroz campanha de marketing e permanente necessidade de lançar notícias sobre a importância desses centros e na evolução dos jogadores que ali prestam a sua actividade. Sempre sob o lema de trabalho, sacrifício, espirito de missão, dedicação, colocando-os como modelos de jogadores, tornam estas características, que deveriam ser a base do jogador de râguebi, como se de algo extraordinário se tratasse.

 

A ideia que transmitem é que, estar ali, trabalhar sob condições teoricamente superiores à de todos aqueles que não foram eleitos, treinar entre os supostamente melhores, é um acto patriótico e altruísta de quem se sujeita a tal dedicação. Um acto quase heróico que nos coloca (portugueses e amantes do râguebi) numa situação de gratidão imensa perante esses eleitos. Esta é a primeira mentira que, rapidamente, esses Centros de Alto Rendimento devem inverter.

 

Na verdade, estar ali, treinar naquelas condições, com o objectivo de ir à selecção, é um verdadeiro privilégio, uma bênção, à qual os jogadores devem estar agradecidos para sempre. E enquanto não invertermos esta ideia base, jamais voltaremos a ter Lobos à séria que, por mais que tenham dado à selecção - e não falo apenas dos que levaram ao Mundial de 2007 -, sempre acharão que aquilo que receberam dela é muito maior.

 

A mentira dos princípios, dos valores é evidente e, com urgência, deve ser rapidamente invertida. Esta é uma mentira grave e cuja responsabilidade deve ser assumida, não especialmente pelos jogadores, mas sim pelos dirigentes e técnicos que gerem os CAR.

 

A segunda mentira reporta-se com a qualidade (ou falta dela) do desempenho desses centros. E esta, mais uma vez escamoteada na tal campanha de marketing feroz, que, sistematicamente sobrevaloriza os bons resultados e oculta o desvaloriza os percalços.

 

E pior: a forma como chama a si os sucessos que ocorrem, omitindo ou reduzindo o importante papel que os clubes têm na formação e desenvolvimento dos jogadores nesse sucesso.

 

Desde a criação destes centros (já fizeram parte da campanha para o Mundial de 2007 – mas, note-se, que o feito grande que foi lá chegar, foi logrado sem que eles existissem) que me atrevo a dizer que os resultados da selecção foram sempre baixando. Quer a nível de sevens, quer a nível de XV. A nível individual tenho, também, muitas reservas quanto à evolução dos eleitos.

 

Não me recordo de um único jogador que, por pertencer aos eleitos, tenha evoluído como jogador e como homem. Bem pelo contrário. No que ao meu clube tenho conhecimento, muitas vezes a entrada nesses centros coincide com a regressão do jogador. E esta realidade é de tal modo verdadeira que, em grande maioria dos casos, são os jogadores da casa que fazem mossa nos jogos dos campeonatos nacionais, sendo que os eleitos passam completamente ao lado desses mesmos jogos.

 

E considerando que os clubes pegam nos jogadores do zero, enquanto os CAR têm o direito de escolher aqueles que bem entendem, esta realidade coloca ainda mais em causa a verdadeira eficiência desses centros.

 

Estas duas mentiras, na minha óptica, têm sido a grande barreira para que o CAR tenha o sucesso desejado e que façam parte do râguebi nacional como algo positivo e não negativo.

 

Passados quase uma década desde a implementação do modelo, julgo que seria importante para os responsáveis reverem alguns princípios base dos CAR. Um debate sério sobre o assunto, envolvendo clubes e pessoas ligadas à modalidade.

Procurar princípios que, por si e de forma genuína, sem necessidade ao recurso do marketing e publicidade, pusessem os CAR como um pilar do nosso râguebi. A nível técnico mas, também e com muito importância, ao nível dos valores.

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