Não ao turismo de massas, nem às massas do turismo

O PÚBLICO alertou esta semana: “Lisboetas sentem-se cada vez mais acossados pelos turistas”. O alerta espoletou uma série de denúncias por parte de gente que tem vivido aterrorizada, mas que começa, felizmente, a ganhar coragem para falar. Disponibilizei este fórum para outros alfacinhas partilharem as suas histórias de horror. Que sirvam de aviso.

B.R., dono de restaurante: “Eram espanhóis. Uns oito ou nove. Entraram por aí a querer almoçar, como se o meu restaurante fosse um restaurante desses. Fartaram-se de comer e beber e nunca mais se iam embora. O pior era a algazarra. Até chegarem, o restaurante estava vazio e eu conseguia ouvir as notícias sem problema. Depois, tive de aumentar o volume da televisão para o nível 12. O 12! No fim, deixaram 20 euros de gorjeta, mesmo para chatear. Somos três, e 20 a dividir por 3 não dá conta certa!”

J.G., cantoneiro: “Sou cantoneiro há 43 anos e nunca vi selvagens como estes turistas. Antigamente, a cidade estava um nojo, mas era com lixo português. Agora é muito pior, derivado ao lixo estrangeiro. A maneira como os forasteiros jogam embalagens para o chão é muito diferente da maneira como os nossos compatriotas jogam embalagens para o chão. E o cuspir? O turista escarra uma gosma internacional, que emporcalha a calçada de uma forma distinta da boa gosma pátria, puxada pela garganta lusitana.”

V.D., trabalhadora em museu: “Tive de meter baixa do Museu de Arte Antiga. Estou derreada. Já não consigo fazer a minha sesta debaixo das Tentações de Santo Antão. Antes, era um sossego. Agora, está cheio de turistas. Porque é que não são civilizados como os portugueses, que deixam a arte em paz?”

Z.C., morador no Bairro Alto: “Vivo aqui há 45 anos, mas estou a pensar sair de lá. Quando abro a janela de casa, já só tenho turistas à frente. Não consigo apreciar como deve ser os graffiti da parede em frente. Mas o turismo não prejudica só os moradores. Há estudantes bêbados a dormir nos degraus das casas, que são indecentemente acordados por estes visitantes. O Bairro Alto está descaracterizado. Qualquer dia deixa de ser este conjunto de ruas insalubres, cheias de lixo e a cheirar a chichi, amado por todos os lisboetas. Estou só a avisar.”

R.H., traumatizada: “Desde que transformaram um prédio devoluto cheio de toxicodependentes em hostel, passei a viver angustiada. Antigamente, quando me desaparecia a carteira, sabia que tinha sido um dos drogados a assaltar-me o carro. Agora, sem drogados e com a rua cheia de movimento, já não me assaltam o carro e eu fico na dúvida entre se me terei esquecido da carteira ou se a terei perdido. Viver nessa incerteza causa-me muito stress.”

P.S. — É importante não confundir este movimento, perfeitamente razoável, com xenofobia. Xenofobia é um ódio irracional ao estrangeiro por parte de labregos suburbanos que protestam contra forasteiros pobres, por acharem que lhes vêm tirar trabalho e benefícios sociais. Isto é diferente, é um ódio racional ao turista por parte de snobes lisboetas que protestam contra forasteiros de classe média, por acharem que lhes vão causar filas maçadoras em gelatarias do Chiado.

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