Ruído e CO2: como se resolverão estes problemas?

Os aviões de hoje são incomparavelmente menos ruidosos e poluentes do que no passado. No entanto, em 15 anos haverá o dobro deles no ar, com o dobro dos passageiros. Os desafios, diz a indústria, resolvem-se com um “ecossistema” de soluções.

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O A350 pode ser programado para evitar parte do ruído Christophe ARCHAMBAULT/AFP

Sentado na cabina de comando do Airbus A350, o piloto Frank Chapman debruça-se sobre o teclado do computador. O equipamento está embutido na mesinha retráctil que ocupa um vazio onde deveria estar o manche – substituído por joysticks laterais.

Chapman, piloto de testes da Airbus desde 2004, digita alguns comandos e mostra o resultado num dos ecrãs do moderno cockpit. É apenas uma demonstração, afinal o avião está parado no Aeroporto de Toulouse, França, junto às instalações da Airbus.

Tal como o gigante A380, o A350 – o mais recente modelo da companhia – pode ser programado para efectuar automaticamente um modo de descolagem diferente, para evitar parte do ruído. Muitos aeroportos já exigem que os aviões comecem por subir rapidamente até um determinado nível, mas depois reduzam a escalada sobre zonas urbanas mais sensíveis e só voltem a acelerar quando já estão mais altos. É algo que implica estar a ajustar a potência dos motores sucessivamente, tarefa que nos novos Airbus fica a cargo do computador de bordo. “Sempre que há um procedimento específico para um aeroporto, podemos programá-lo”, explica Frank Chapman.

Tudo conta hoje para reduzir o ruído dos transportes aéreos. Juntamente com as emissões de CO2, é o impacto ambiental mais saliente da aviação. E, ironicamente, um avião hoje faz 75% menos barulho do que um aparelho do início da era dos jactos comerciais, há mais de meio século. “As pessoas não se dão conta de que, quando um avião passa por cima de nós, já não temos de parar de conversar”, disse Christopher Buckley, vice-presidente executivo da Airbus para a Europa, África e Ásia-Pacífico, num encontro recente sobre aviação e ambiente em Toulouse.

Mas com muito mais aviões no ar e com a urbanização a aproximar-se dos aeroportos, ou vice-versa, a preocupação com a poluição sonora está ao rubro em determinados países. No Reino Unido, é um dos principais argumentos contra a construção de uma terceira pista no Aeroporto de Heathrow ou de uma segunda em Gatwick, ambos em Londres. O mesmo se passa em Hong Kong. Em Lisboa, apesar da evolução dos últimos anos, os valores de ruído do aeroporto mantinham-se acima dos limites legais em Camarate e na Cidade Universitária em 2013.

“O ruído está de novo na agenda”, confirma Jonathon Counsell, director de Ambiente da British Airways. Há uma percepção diferente entre os cidadãos, diz Counsell. Antes, 90% do som dos aviões vinha dos motores. Agora, são apenas 50% e já há queixas em Londres do barulho específico quando as aeronaves baixam o trem de aterragem.

Até agora, o problema tem sido atacado sobretudo nos motores. A sua operação é tanto menos ruidosa quanto maior for o rotor dianteiro, que impulsiona mais de 80% do ar por fora do reactor propriamente dito e canaliza apenas uma pequena parte para dentro da turbina, para a combustão. Os que estão a ser usados no Airbus A350 são tão grandes que têm o diâmetro da fuselagem de um Concorde. O resultado é de tal forma evidente que o avião foi baptizado de Hushliner – numa alusão dupla ao silêncio e ao Dreamliner, o Boeing 787 que é concorrente do A350.

Mas não se pode aumentar indefinidamente o tamanho da carenagem em torno do rotor dianteiro. O seu peso, a partir de um certo ponto, compromete os ganhos de eficiência. “É uma questão física”, diz Caroline Day, directora de Marketing, Estratégia e Programas Futuros da Rolls Royce, um dos três principais fabricantes de motores para aviões. “E os motores não podem arrastar no chão. A partir de um certo tamanho, torna-se impossível”, acrescenta.

A luta contra o ruído está agora mais nos pormenores. As pás do rotor principal e as carenagens dos motores, por exemplo, estão a ser feitas de materiais compósitos, em peças mais leves e com menos emendas, reduzindo o atrito e as vibrações.

Nas aterragens, a batalha vai provavelmente alterar procedimentos que estão há décadas nos manuais de pilotagem. Os aviões normalmente descem seguindo um trajecto com uma inclinação de três graus em relação ao solo. Sempre foi este o padrão. Mas se este declive for ligeiramente maior, de 3,2 graus, o avião estará cerca de 90 metros mais alto quando se encontrar a dez milhas (cerca de 18 quilómetros) do aeroporto, causando menos incómodo sonoro.

Se o ângulo for de quatro graus, a diferença é ainda maior, cerca de 300 metros. Em termos de ruído, são cinco decibéis a menos – um valor expressivo. Embora a diferença na inclinação pareça pequena, não é fácil porém lidar com ela ao pilotar um grande avião comercial. A velocidade aumenta e é mais difícil manter uma aproximação estabilizada. “É uma questão de gerir a energia”, explica o piloto Frank Chapman.

Uma alternativa poderá ser uma aproximação em duas fases: primeiro com um ângulo de descida maior, depois estabilizando a rampa nos três graus usuais, na aproximação final.

As emissões de CO2, a outra dor de cabeça ambiental da aviação, também padecem de uma ironia. Com aviões cada vez mais eficientes, a quantidade de combustível necessária para transportar um passageiro caiu brutalmente nas últimas três décadas. Mas o tráfego aéreo aumentou e as emissões totais do sector também, embora representem apenas 2% de todo o CO2 lançado pelas actividades humanas.

O futuro preocupa. O movimento de passageiros promete mais do que duplicar até 2030, segundo as previsões da Organização Internacional para a Aviação Civil. O número de aviões a cruzar os céus deverá aumentar de cerca de 20 mil hoje para 42 mil em 2030 e 56 mil em 2040. E, sem medidas para as conter, as emissões de CO2 podem subir de duas a mais de quatro vezes até 2050.

As companhias aéreas não querem ter este peso sobre os ombros e acordaram metas voluntárias ambiciosas, no seio da Associação Internacional de Transporte Aéreo: atingir o pico das emissões em 2020 e depois reduzi-las até 2050 para 50% dos níveis de 2005.

“É um desafio para a indústria, não é uma questão de relações públicas”, afirma Jonathon Counsell, da British Airways. “Caminhar para um paradigma neutro em carbono é algo que irá mudar o jogo”, corrobora Mark Watson, director da área ambiental da Cathay Pacific.

Do lado tecnológico, há muitas soluções em marcha. O Airbus A380 – 162 deles já a voar comercialmente – consome menos 20% de combustível e emite menos 40% de CO2 do que um avião actual da mesma categoria. No Boeing 787 Dreamliner – 269 em operação –, a poupança também é de 20% em combustível. E no A350 – três já entregues e mais 12 previstos até ao final do ano – chega aos 25%.

Aviões já existentes também estão a ser reconfigurados, como novos motores, “barbatanas” na ponta das asas e outras melhorias. O A320neo, cuja primeira unidade a Airbus entregará à Qatar Airways no último trimestre deste ano, lançará menos 20% de CO2 para a atmosfera do que os A320 actuais. E o equivalente da Boeing – o 737 MAX, que entrará nas frotas comerciais a partir de 2017 – promete 13% de redução no consumo de combustível.

Mas a tecnologia dos aviões não vai resolver sozinha o problema. Combustíveis alternativos, a operação dos voos e até a gestão do tráfego aéreo também entram na equação. “Quando se é obrigado a voar em círculos por meia hora, à espera de uma brecha para aterrar, perdem-se os benefícios de tudo o resto”, exemplifica Charles Champion, vice-presidente da Airbus para a área da engenharia.

Os biocombustíveis já estão a ser utilizados na aviação comercial desde Junho de 2011, data de um primeiro voo da KLM, entre Amesterdão e Paris, com óleo de cozinha incorporado no jetfuel. A companhia aérea espera multiplicar por dez o seu uso este ano, em relação a 2014. “Acreditamos que será um elemento-chave para a indústria da aviação”, afirma Ellen van de Tweel, directora de inovação na KLM.

Mas os biocombustíveis têm estado sob fogo cruzado, por competir com a produção de alimentos e destruir florestas. Além disso, por ora ainda são mais caros. “É uma questão económica. Não podemos pagar um prémio pelo jetfuel”, afirma Jonathon Counsell, da British Airways.

Todas as soluções somadas não chegarão para reduzir as emissões de CO2 da aviação em 50% até 2050. Uma parte deste esforço vai passar necessariamente pela compensação com créditos de carbono transacionáveis – incluindo os gerados por investimentos em projectos “verdes” noutras áreas. No entanto, um mercado de carbono para a aviação à escala global é algo que ainda está em discussão nas Nações Unidas, depois de um arranque falhado na União Europeia – que quis impor um sistema próprio a todas as companhias aéreas que operam nos aeroportos europeus. Perante forte contestação, Bruxelas teve no entanto de suspender a medida. “O sistema foi mal desenhado e é muito distorcido”, afirma Mark Watson, da Cathay Pacific. Mas teve o mérito de dar um empurrão às negociações internacionais, completa Watson.

O mercado de carbono será mais um elemento a ligar-se a outros na luta da aviação para deixar de ser o modo de transporte menos amigo do ambiente. A indústria acredita nesta via, com múltiplas medidas unidas organicamente. Como resume Charles Champion, da Airbus: “É cada vez mais um ecossistema.”

O jornalista viajou a Toulouse a convite da Airbus

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