Reeencontros com a música medieval e renascentista no Palácio de Sintra

Os agrupamentos Sete Lágrimas e Concerto Stravagante são os primeiros convidados de um novo ciclo de concertos que pretende evocar o imaginário sonoro das épocas áureas do Palácio Nacional de Sintra.

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Josh Cheatham (viola da gamba), Julien Martin (flauta de bisel) e Skip Sempé (cravo e direcção musical) formam o Capriccio Stravagante DR

Depois da temporada Tempestade e Galanterie no Palácio de Queluz e dos Serões Musicais no Palácio da Pena, ciclos dedicados respectivamente à música dos séculos XVIII e XIX em conformidade com a estética dos emblemáticos edifícios que acolheram os concertos, a Parques de Sintra e o Divino Sospiro - Centro de Estudos Musicais Setecentistas de Portugal apresentam a partir desta sexta-feira um novo projecto que estabelece a ponte entre a arte musical e o património arquitectónico. Desta vez contempla-se a Idade Média e o Renascimento, tendo como cenário o Palácio Nacional de Sintra e alguns dos seus mais fascinantes espaços (Pátio Central, Sala Manuelina, Sala dos Cisnes e Sala dos Brasões).

Intitulado Reencontros – Memórias Musicais de um Palácio, o ciclo tem direcção artística da violoncelista Diana Vinagre e decorre entre os dias 5 e 27 de Junho, sempre à sexta-feira e ao sábado, obedecendo a um plano regular: agrupamentos portugueses e estrangeiros com créditos firmados nestes repertórios (Sete Lágrimas, Capriccio Stravagante, La Capilla, Delgocha, Officium Ensemble, Capela Sanctæ Crucis, Tasto Solo) protagonizam os concertos nocturnos; jovens músicos oriundos da Escola de Música do Consevatório Nacional e do Instituto Gregoriano de Lisboa apresentam-se em concertos comentados (às sextas, às 14h30) e “concertos aperitivos” (ao sábado, às 12h); e conferencistas como o musicólogo Manuel Pedro Ferreira e o historiador de arte Paulo Almeida Fernandes fornecem o respectivo enquadramento histórico, social, cultural e estético (às 20h).

No texto de apresentação do programa, Diana Vinagre manifesta o seu desejo de que o ciclo “preencha as necessidades de um público que ansiava por esta oportunidade.” Efectivamente, com algumas raras excepções, entre as quais o Festival Internacional da Póvoa de Varzim e o ciclo Música em São Roque, a música medieval e renascentista tem estado bastante ausente da vida musical portuguesa, não obstante a existência de um público fiel.

Especializada no violoncelo barroco e nas práticas de interpretação históricas, Diana Vinagre faz parte da orquestra Divino Sospiro e do Ludovice Ensemble, e dirige também o seu próprio grupo (Ensemble Bonne Corde). Esta é a sua primeira experiência como programadora, tendo-se preocupado em elaborar três linhas temáticas condutoras, tendo em conta as épocas áureas do Palácio de Sintra e “o imaginário sonoro que o terá habitado”, nomeadamente a memória árabe, o património português e a herança franco-flamenga.

A memória árabe, visível nos detalhes arquitectónicos de inspiração mudéjar do edifício, é evocada no concerto da Capella Sanctæ Crucis (dia 20) com o programa Alá Xaber Divinar, no qual “podemos ver como essa memória se traduziu no repertório ibérico de 1500, tanto sacro como profano.” Por seu turno, no concerto de La Capilla e do Ensemble Delgocha (dia 13) estabelece-se o diálogo Oriente/Ocidente através da música persa e do repertório flamengo.  

Como representantes do património musical português foram escolhidos o Ensemble Vocal Officium (dia 19) no âmbito da polifonia renascentista e maneirista e da sua “Idade de Ouro” (expressa nas obras de Duarte Lobo, Frei Manuel Cardoso e Estevão de Brito) e o agrupamento Sete Lágrimas, cujo programa Cantiga (agendado para esta sexta-feira à noite, às 21h30) revisita as cantigas de amigo de Martim Codax inserindo-as num contexto mais amplo que estabelece uma ponte com o alcance da diáspora portuguesa. O grupo fundado pelos cantores Filipe Faria e Sérgio Peixoto retoma assim alguns dos seus êxitos discográficos.

Quanto à música franco-flamenga, presença transversal ao espaço europeu através da circulação de músicos e de repertórios, estará em foco nos concertos dos grupos Capriccio Stravagante, Tasto Solo, La Capilla e Delgocha.

Diana Vinagre sublinha “a  presença de músicos flamengos em várias cortes europeias, entre as quais Portugal”, relembrando que na corte de D. Fernando marcou presença o compositor flamengo Jehan Simon de Haspre (“Hasprois”), um dos principais representantes da Ars Subtilior. A relação de Portugal com a corte borgonhesa intensificou-se a partir do séc. XIV, tanto pelas relações comerciais como através do casamento de D. Isabel, filha de D. João I, com Filipe, o Bom, Duque da Borgonha.

Destaca-se ainda o recital de organetto, por Guillermo Pérez, com música italiana e francesa do século XIV (dia 26).

A abertura do ciclo está marcada para a tarde desta sexta-feira, às 14h30, com um concerto comentado do Ensemble de Flautas de Bisel do Conservatório Nacional preenchido com canções e motetes dos Países Baixos da autoria de Orlando di Lasso, Jacob van Eyck e Jean de Castro. Às 20h, realiza-se a conferência de Manuel Pedro Ferreira, Do jogral ao músico de câmara, que serve de prelúdio ao já referido programa Cantiga pelos Sete Lágrimas (às 21h30).

Sábado, o ciclo recebe o prestigiado agrupamento Capriccio Stravagante, conhecido pelas suas incandescentes interpretações, com o programa Os Virtuosos Itinerantes. O trio composto por Skip Sempé (direcção musical e cravo), Julien Martin (flauta de bisel) e Josh Cheatham (viola da gamba) propõe uma viagem musical de grande riqueza e diversidade através das obras de compositores como Francesco Bassani, Selma y Salaverde, Caccini, Cipriano de Rore, Diego Ortiz, Marin Marais, Tobias Hume, Jacob van Eyck, William Byrd, John Dowland e Thomas Morley.

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