O sonho americano Da Chick

Para já Teresa de Sousa, ou seja Da Chick, devolve-nos uma viagem imaginária que evoca a Nova Iorque funky de outros tempos, mas o seu sonho é mesmo viver na cidade americana.

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Há cidades a que associamos tipologias específicas, mas em Nova Iorque, principalmente na passagem dos anos 1970 para 1980, havia convergência entre diversas famílias estéticas.

Em Manhattan a festa ainda se fazia ao ritmo da música disco, e nas salas havia concertos de jazz ou pós-punk, enquanto no Bronx, o funk, soul e electro assistiam ao germinar do hip-hop.

É em grande parte esse período fervilhante que é evocado em Chick To Chick, primeiro álbum de Teresa Freitas de Sousa, 26 anos, mais conhecida por Da Chick. Não espanta que ela tenha um sonho: “gostava muito de ir viver para Nova Iorque e estou seriamente a pensar nisso”, diz-nos ela, de olhos brilhantes.

Para já estamos em Lisboa, “cidade pela qual sou no entanto completamente doida”, ri-se. É ali que desde 2009 tem dado nas vistas com espectáculos em nome próprio, ou como convidada de um sem número de projectos (da Discotexas Band aos Memória de Peixe), ou ainda como autora do EP Curly Mess (2012) de onde foi extraído o single Cocktail, a que se seguiria um outro single, Lotta love (2013), ambos incluídos no álbum.

Uma omnipresença que poderá levar a pensar que o álbum de estreia que agora é editado chega tarde. “Só agora estava preparada para fazer um álbum”, confessa. “Só agora me senti preparada para contar uma história com início, meio e fim. Não queria um disco de canções soltas. Até aqui foi a aprendizagem e agora sinto que já adquiri a minha sonoridade. Fui trabalhando com pessoas, percebendo onde me sinto confortável, de forma a chegar lá. E o disco reflecte-o.”

É um álbum de canções de balanço funky, que nos devolve um universo lúdico, através de elementos resgatados ao electro dos primórdios, ou ao boogie, essa forma sintética de funk que veio a seguir ao disco, sugerida pela utilização das caixas de ritmos e pelos sintetizadores. É um disco onde a sua voz jovial se evidencia por entre impulsos hip-hop, ondas digitalizadas, fraseados funk, alguns elementos disco e um balanço geral solarengo, numa multiplicidade de estímulos bem organizada.

É música com sentido de fantasia, física, impulsionada pelos trejeitos vocais, pelo frenesim económico das guitarras e pelas curvas rítmicas insinuantes. Por entre descargas exuberantes de funk sintético, trata-se de resgatar várias décadas da música popular fazendo-as coincidir para canções desafectadas sacudidas por diversão, corante, líbido e vigor corpóreo.

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Para ela tudo começou por acaso em 2009. Como acontece tantas vezes a motivação inicial para cantar nasceu depois de assistir a um concerto, no Lux, de Maral Salmassi. Mais tarde os Refill do rapper Mike El Nite desafiaram-na a cantar. “Escrevi uma letra gozona, o My booty, mas acabei por obter boas reacções e acabámos por fazer mais algumas músicas”, recorda. Depois os acontecimentos foram-se sucedendo. “Fui conhecendo mais pessoas, produtores e músicos, e fui aprendendo e a perceber como é que as coisas funcionavam.”  

Em casa ouvia essencialmente jazz e soul. Mas Mike El Nite foi-a introduzindo ao hip-hop. “Eramos colegas de turma, ele estava sempre a ouvir hip-hop e passava-me discos”, recorda.

Uma outra pessoa importante no seu percurso foi Luís Clara Gomes, mais conhecido por Moullinex, que procurou quando percebeu que pretendia ir mais longe. “Adorava as coisas que ele fazia e tinha a certeza que ele conseguiria fazer-me chegar aonde desejava, portanto tomei a iniciativa e fui falar com ele.”

Hoje faz parte da família Discotexas, a editora de Moullinex ou Xinobi, também eles timoneiros da Discotexas Band que Da Chick também integra, para além de serem dois dos produtores do seu álbum. “Não existe por aí muita gente a fazer o mesmo que eles. Com eles sinto-me compreendida e apoiam-me.”

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Na produção dos restantes temas do disco existiram dois outros nomes envolvidos – Cut Slack e Isac Ace – com quem já havia trabalhado anteriormente e que ajudaram na definição sonora de um álbum que ela descreve como sendo como “ir ao ao céu e regressar na minha nave espacial.” Acaba por ser uma obra onde revela duas facetas diferenciadas. “Uma Chick mais diva, confiante, colorida e funky. E uma outra Chick mais vulnerável e introspectiva, que discorre sobre coisas pessoais e dos seus receios também. Acaba por ser uma viagem entre essas duas Chicks – uma mais na terrena e outra mais aérea.”

Na música, na atitude e nos vídeos existe uma evocação assumida aos anos 1970 e 1980, dessa América caleidoscópica onde a cultura hip-hop e electro encontrava a soul e o funk e os ritmos disco. “Sim, este disco acaba por captar esses diferentes elementos, em grande parte porque sempre vivi estive muito conectada com esse tipo de cultura americana. A língua portuguesa é funky, mas quando me sento para escrever uma canção é em inglês que me sai. Até nas expressões correntes me sai uma coisa muito americanizada, talvez dos filmes.”

Mas não são uns quaisquer filmes. O seu imaginário está povoado por filmes dos anos 1970 como Shaft, embora Spike Lee ou Woody Allen, numa outra vertente, também a façam viajar até à sua cidade: Nova Iorque. “A primeira vez que lá fui pensei: é isto! É mesmo isto! Isto é exactamente o que eu pensava que era!”, exclama ela, reflectindo sobre o efeito de reconhecimento provocado pelo imaginário dos filmes.

“Chegava a meter-me com as pessoas, só para as ouvir falar e depois apetecia-me agarrar-lhes”, ri-se, argumentando que tem mesmo uma relação de grande paixão pela cidade. “E depois aquele ambiente, os bairros, aquela vida agitada, aquilo mexe comigo. É tudo bonito, mesmo quando é feio!”, diz entre risos.  

A música que a faz viajar até Nova Iorque é o jazz ou o hip-hop, embora quando lhe perguntam sobre o seu herói preferencial diga que é James Brown. “É uma enorme inspiração, a música, as letras, o carisma”, afirma, tentando lembrar-se de artistas contemporâneos que também lhe agradem. “Gosto muito de Chromeo ou de Dâm-Funk, essas cenas boogie actuais, porque fazem um pouco aquilo que eu também faço, que é reutilizar algumas influências do passado para as tornar actuais.”

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Para já existem os concertos de apresentação do álbum, na Casa da Música do Porto (27 de Junho) e no festival Super Bock Super Rock (17 de Julho). Em ambas as situações serão nove protagonistas em palco. Para além dela na voz, de dois bailarinos, do DJ Mike El Nite e de três músicos em sopros, haverá também mais dois convidados – Cut Slack e Isac Ace.

Ela que tem formação em marketing & publicidade, e que nos últimos anos tem trabalhado espaçadamente nessas áreas, deseja para já poder ter tempo para fazer realmente aquilo de que gosta – “no último ano saia do trabalho e ia para estúdio, deitava-me às tantas e no dia seguinte acordava cedo e ao mesmo tempo tinha treino de karate e dava aulas a miúdos, ou seja não é fácil, mas quando se tem o sonho de viver da música é isso que se tem de fazer.” Para já ai está o seu álbum de estreia. Depois, quem sabe, Nova Iorque espera por ela.

Oiça aqui o álbum Chick to Chick, em exclusivo no PÚBLICO

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