A democracia vai chegar pela televisão?

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Uma coisa é garantida: se passarmos cinco dias em Taiwan, ouvimos cinco vezes esta história — até 2009, os chineses não podiam visitar Taiwan; agora, que há 800 voos directos por semana a unir a “ilha rebelde” ao continente, a democracia vai chegar mais depressa a Pequim.

A tese é explicada sempre da mesma forma. Com a abertura dos voos, Taiwan recebe hoje quatro milhões de turistas chineses por ano. Aos olhos dos taiwaneses, há três sinais distintivos óbvios: os chineses-chineses são mais barulhentos, vestem roupas mais brilhantes e o seu mandarim tem um sotaque muito particular, talvez comparável à diferença que existe entre o português falado em Portugal e no Brasil. Pronúncias à parte, há um quarto factor: às nove da noite, os turistas chineses desaparecem das ruas de Taiwan e fecham-se nos quartos de hotel a ver os debates políticos da televisão local.

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Activistas pró-China lutam contra activistas pró-Taiwan nas ruas de Kinmen, uma ilha de Taiwan, a 23 de Maio, durante uma reunião entre Zhang Zhijun, director do gabinete chinês para os Assuntos de Taiwan, e o presidente do Conselho de Taiwan para os Ass James Lin/REUTERS

Ouve-se isto na rua, ouve-se isto de ministros, de respeitados académicos, de cientistas políticos, de directores de think-tanks e de jornais. É difícil perceber se a ideia não passa de um wishful thinking de uma elite optimista de Taiwan. Um misto de inquéritos, sondagens e observação directa será a base da teoria.

Às nove da noite, num quarto de hotel, um estrangeiro que não fala mandarim e liga a televisão não vê mais do que pessoas aos gritos, com ar zangado e a esbracejar. Adivinham-se argumentos ferozes, talvez injustos e atirados à flor da pele, sem pensar. Mas que há debate há. Do mesmo modo que há perguntas hostis dirigidas ao Presidente Ma, transmitidas em directo nas rádios e televisões. Em Taiwan, a liberdade de expressão e de imprensa é real. Como é real a luta — nesta fotografia, luta física — entre jovens pró-China e pró-Taiwan por causa da política de aproximação do governo de Taipé em relação a Pequim. O confronto não é novo. Desde o nascimento do “movimento Girassol”, há um ano, que a clivagem ficou exposta à vista desarmada. Já não há 100 mil estudantes a bloquear o Parlamento de Taipé, mas a exigência por mais transparência estará a crescer na exacta proporção em que aumenta o número de pessoas que diz “sou taiwanês” em vez de “sou taiwanês mas também chinês”. Esta semana, a luta teve lugar no arquipélago de Kinmen, em Taiwan, num protesto contra a possível entrada de Taiwan no futuro Asian Infrastruture Investment Bank, cuja criação está a ser liderada por Pequim. Nada é linear nesta equação. Pequim quer resolver a “questão de Taiwan” entre 2021 e 2049. Em Taipé não se fala de outra coisa, mas ninguém antecipa desfechos. “A China é muito grande”, diz-se em Taiwan. Os debates e a exposição à democracia ajudarão, mas ninguém tem pressa.

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