Veneza fecha pavilhão polémico que transformou uma igreja numa mesquita

Pavilhão da Islândia tem gerado polémica desde o início. Christoph Büchel transformou uma antiga igreja numa mesquita.

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Não é celebrada uma missa nesta igreja desde 1969 DR

Gerou controvérsia assim que a Bienal de Veneza arrancou no início deste mês e agora foi temporariamente encerrado pela autarquia da cidade italiana. Trata-se do Pavilhão da Islândia que é, nada mais, nada menos, do que uma igreja católica transformada numa mesquita num trabalho do artista suíço-islandês Christoph Büchel.

Segundo o director-geral da Câmara de Veneza, os responsáveis pelo projecto islandês não apresentaram os documentos necessários para que a Igreja de Santa Maria da Misericórdia, propriedade privada desde há 42 anos quando deixou de ser um lugar de culto, pudesse ter estes fins. “Virou um lugar de culto, não é uma obra de arte. Não foram respeitadas as regras.”

As palavras são de Marco Agostini, director-geral da Câmara de Veneza, que ao El País explicou que a comissária do pavilhão islandês, Nina Magnufdottar, tinha até esta quinta-feira para entregar na autarquia uma autorização da autoridade católica veneziana para que a igreja pudesse albergar uma mesquita. Para Agostini, mesmo que não se celebre uma missa nesta igreja desde 1969 o lugar continua a ser sagrado.

No entanto, Magnufdottar refuta a acusação e diz ter entregado ao município um documento de 1973 assinado pelo Patriarca de Veneza – posteriormente, o papa João Paulo I – que decreta que a igreja foi fechada para o culto e podia ser utilizada para fins profanos. “É um lugar para usos privados”, defendeu a comissária, contando que o espaço até já foi um armazém de uma loja de lembranças.

Desde o início da 56ª edição da Bienal de Veneza que o pavilhão da Islância não passou despercebido. Deu que falar ainda antes da abertura ao público por tornar-se na única mesquita da cidade histórica, que tem uma relação especial com o Oriente. É que Veneza não tem uma mesquita, pelo menos no centro da cidade, onde tantas igrejas existem. Para esta transformação, Büchel contou com o apoio da comunidade muçulmana da zona e da Islândia.

Na altura, as autoridades de Veneza levantaram problemas ao projecto e escreveram mesmo uma carta ao artista a informá-lo de que estava a criar uma “dor de cabeça”, noticiou o New York Times, argumentando que o pavilhão podia até ser uma “ameaça à segurança”.

No entanto, criar uma mesquita temporária num evento com tanta atenção internacional pareceu aos muçulmanos italianos uma boa forma de demonstrar o seu desejo de participar na vida de Veneza, principalmente num momento em que cresce a islamofobia. “Por vezes tens de te mostrar, mostrar que és pacífico e que queres que as pessoas vejam a tua cultura”, reagiu ao New York Times Mohamed Amin Al Ahdab, presidente da Comunidade Islâmica de Veneza, que representa muçulmanos de mais de 30 nacionalidades a viver na região. “Isto dá-nos a oportunidade de mostrar às pessoas o que realmente é o Islão.”

O projecto de Christoph Büchel, que é visto muitas vezes como um artista que gosta de provocar, coincide com a campanha que existe neste momento na Islândia para que se construa a primeira mesquita em Reiquejavique.

Apesar da polémica, a Câmara de Veneza permitiu a abertura do pavilhão sem o consentimento das autoridades católicas, estabelecendo que a comitiva islandesa ficaria encarregue de pedir esta autorização. Apesar de o edifício não pertencer à igreja, Gianmatteo Caputo, responsável dos bens culturais eclesiásticos em Veneza, esclareceu numa carta enviada ao município que sempre que o uso do espaço é contrário ao da igreja católica é preciso que exista um consentimento para o fazer. “Para qualquer uso diferente do culto cristão católico é necessária a autorização eclesiástica, independentemente de quem seja o proprietário no momento”, explicou Caputo, garantindo que nenhuma autorização foi pedido para que Büchel pudesse ali instalar uma mesquita.

Para Nina Magnufdottar, esta argumentação não faz sentido nem é preciso nenhuma autorização por se tratar de uma obra de arte, independentemente de no pavilhão acontecerem, de facto, momentos de oração. “Para nós não existe nenhum problema.” A comissária espera que a situação se resolva rapidamente para que o pavilhão possa abrir portas novamente.

A Bienal de Veneza, que tem este ano como director artístico Okwui Enwezor, o curador e escritor nigeriano, prolonga-se até 22 de Novembro. All the World's Futures (Todos os futuros do mundo) foi o tema escolhido por Enwezor, que quer olhar para o estado “convulsivo do mundo”. Portugal está representado por João Louro.

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