Se o remédio é abrandar, porque continuamos a correr?

Esgotados, deixamos de ter a capacidade de nos divertir, enfraquecemos, separamo-nos

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Michael Dalder/Reuters

Um espectro atravessa os novos tempos, o da exaustão. Vivemos a violência do excesso: de informações, estímulos e impulsos. Nunca paramos. Estamos sempre a produzir, a render, a comunicar. Corremos como gazelas mesmo sentados. E se em algum momento surgir um tempo vazio, corremos a ocupá-lo. A violência da sociedade actual já não é só disciplinar, também é neuronal.

Passamos de criar loucos e criminosos para conceber esgotados, frustrados e deprimidos. As doenças paradigmáticas da nossa época, como o transtorno por défice de atenção e hiperactividade, o transtorno de personalidade "borderline" ou o síndroma de "burnout" não têm origem num vírus, na alteridade. O inimigo fundiu-se em nós, está no próprio sistema. A doença nasce no corpo sobreaquecido, e alastra-se como metástases, minando silenciosamente as nossas almas. E a pergunta impõe-se. Se a exaustão nasce do excesso, e dá origem a uma autoagressão apática e progressiva, por que é que não diminuímos, retiramos, cessámos? Se o remédio é abrandar, porque continuamos a correr?

Primeiro, estamos sobreocupados porque há uma pressão constante para um maior rendimento. O objectivo da sociedade actual é claro: o ser humano é uma máquina que tem que maximizar a sua produção e funcionar sem falhas e interrupções. É por este motivo que há cada vez mais medicamentos para aumentar as capacidades físicas e intelectuais, que nos permitam continuar mesmo quando já ultrapassamos os nossos limites. Ou a razão do aumento do consumo de drogas para entretenimento. Esgotados, deixamos de ter a capacidade de nos divertir, enfraquecemos, separamo-nos.

Depois porque, na era moderna, sem crenças, sem convicções e isolados, sem nada que nos garanta duração ou estabilidade, precisamos a todo o custo encontrar um sentido de vida. A ocupação constante é uma tentativa de esquecimento da nossa finitude. Alienamo-nos voluntariamente para vestir esta vida nua. Mas vesti-la desta forma não só não nos tira o frio, como está a tornar-nos angustiados, frustrados, deprimidos.

O ser demasiado ocupado é um ser automatizado. A hiperactividade não é mais do que um sintoma de esgotamento nervoso que resulta numa hiperpassividade. Quando estamos exaustos, deixamos de conseguir resistir aos estímulos. Ficamos diminuídos das nossas capacidades. Não tomamos decisões livres. Fazemos tudo por impulso, não porque escolhemos fazer. A máquina não consegue deter-se. Ou, como diria Nietzsche, “tal como uma pedra, o homem activo rebola ao sabor da estupidez mecânica.” E o frenesim apenas acelera o que já existe. Não gera nada de novo. Só a contemplação do descanso permite o pensamento, a criação.

Talvez seja por isto que Pascal dizia que “toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não saberem ficar quietos dentro de um quarto” ou que o último filme de Godard termine com Roxy, um cão que passeia, brinca e dorme sestas no sofá, num Adeus à linguagem. O não-fazer, o descanso profundo, o tempo sem tempo, proporciona-nos uma serenidade especial. Descansados, rejuvenescemos, gostamos mais dos outros. As coisas começam a reluzir, a bruxulear. Neste mundo frenético, de uma imensa necessidade de paz, urge, pois, parar, interromper, descansar. 

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