Costa no seu labirinto

Já todos percebemos que António Costa vive numa encruzilhada difícil: é fundamental que nos convença de que pode fazer diferente e melhor, mas também precisa de nos demonstrar como as suas propostas são realistas e não abrirão a porta ao descontrolo financeiro de outros tempos.

O memorando dos economistas foi uma excelente iniciativa. Embora a grande maioria dos portugueses não compreenda os pormenores com que economistas e politólogos de serviço nos invadem no quotidiano televisivo, ficou claro para todos que Costa tem uma margem de manobra muito estreita. Fazer diferente e melhor será diminuir o impacto da austeridade, sem deixar por completo de a praticar. Se economistas de prestígio nos demonstram ser possível devolver algum poder de compra aos cidadãos e reanimar a economia, também se percebeu que alguma austeridade e contenção nos gastos públicos são cruciais para o futuro do país. É por isso que o memorando foi uma saudável demonstração de um bom contributo técnico para um programa político, ao clarificar como as frases gritadas nos comícios de “Fim à austeridade!” não passam o teste da realidade que um programa de governo sempre implica.

Costa tem de compreender depressa que aqueles que o apoiam nas reuniões partidárias pelo país fora representam apenas o entusiasmo militante, misturado com muita gente que só aspira a um lugar de protagonismo partidário. Essas pessoas não compreendem a sua encruzilhada, são apenas críticos do governo por tradição. Noutros locais, contudo, não faltam os verdadeiros apoiantes: todos aqueles que sofreram na pele a política de destruição do emprego ou viveram a diminuição dos apoios sociais que caracterizaram a prática da coligação no poder.

As preocupações dos portugueses não são o cenário macroeconómico, os jogos partidários ou os discursos dos deputados. Centram-se no desemprego, na educação e no futuro de filhos e netos, na protecção dos idosos e das crianças, no acesso mais rápido ao Serviço Nacional de Saúde, nas condições de habitação e na rapidez e menor custo dos transportes. É sobre estas questões que António Costa tem de falar diferente, sem fazer promessas avulso e sem acenar com resultados que não pode garantir à partida. Já todos percebemos como a nossa economia está dependente da Europa e não temos possibilidade de caminhar sozinhos, como o caso da Grécia exemplarmente demonstra.

Costa caminha num desfiladeiro estreito, de um lado cercado por uma extrema-esquerda irrealista porque longe do poder, do outro rodeado por uma direita que se organiza cada vez melhor à volta de um discurso simples, mas eficaz: “Nós herdámos a bancarrota, equilibrámos as contas e não podemos dar o poder àqueles que nos conduziram à necessidade de apoio externo.” Com a prisão de Sócrates a surgir como uma sombra nesse caminho apertado, Costa necessita de toda a sua argúcia e experiência política para conseguir uma vitória folgada, que permita a necessária negociação para um governo estável.

Torna-se cada vez mais necessário ouvir, depois dos economistas, pessoas com prestígio na Educação, na Saúde e na Justiça, capazes de inspirar um programa diferente mas realista, em que o respeito pelas pessoas em dificuldades ocupe de facto o primeiro plano, sem regresso ao despesismo de outrora.

Para todos aqueles que aspiram ao fim do constrangimento penoso que nos asfixiou nestes últimos quatro anos, impõe-se um movimento cívico que guie Costa no seu labirinto e o conduza à vitória.     

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