Relação de Coimbra anula indemnização de blogger a Fernando Ruas

Autor do blogue Viseu, Senhora da Beira tinha sido condenado em Março do ano passado a pagar uma indemnização de 5000 euros ao ex-presidente da Câmara de Viseu. Relação considerou que textos do blogger estão dentro dos limites da liberdade de expressão.

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Fernando Ruas é actualmente eurodeputado. Foto: Nuno Ferreira Santos

O Tribunal da Relação de Coimbra absolveu um coronel na reserva, autor do blogue Viseu, Senhora da Beira de um processo cível intentado pelo ex-presidente da Câmara Municipal de Viseu actualmente eurodeputado, Fernando Ruas, tendo anulado a decisão do Tribunal Judicial de Viseu que, em Março do ano passado, tinha condenado o blogger a pagar ao antigo autarca uma indemnização de 5000 euros por ofensa à honra e bom nome de Ruas.

Em causa estava o conteúdo de textos e fotomontagens realizadas pelo blogger Fernando Figueiredo, eleito deputado municipal pelo CDS nas eleições autárquicas de 2013, cargo a que entretanto renunciou. E também vários comentários anónimos publicados no blogue de forma automática, sem aprovação prévia do responsável da página.

Na decisão da primeira instância o juiz considerou ilícito um texto intitulado A Camorra do Bigode, que entendeu conotar o ex-autarca com a máfia. Considerou igualmente violadora da honra e bom nome de Ruas imagens em que a sua cara aparece sobreposta às imagens de Bin Laden, Estaline ou a um homem da Idade da Pedra. E vários comentários anónimos. Apesar de não ter dado como provado que estas afirmações tenham sido produzidos ou sequer controlados pelo blogger, o juiz do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu considerou que este era responsável por eles já que era o único que podia tê-los eliminado.

“O Rotundas é um caso perdido de amicismo, compadrio e corrupção”, “os funcionários têm que lamber as botas ao senhor ditador das Beiras ou então são alvos a abater” ou “já repararam na quantidade de família directa ou indirecta que ele tem a trabalhar na câmara?”, são alguns dos comentários considerados ofensivos.

Na decisão datada de 14 de Abril, o colectivo de três juízes da Relação de Coimbra analisa detalhadamente os posts e as imagens que Fernando Ruas considerou ofensivas. Ao contrário do colega da primeira instância, os juízes da Relação não consideraram que o texto intitulado A Camorra do Bigode, conotasse o ex-autarca com a máfia. O artigo pretenderia apenas associar os problemas da recolha do lixo de Viseu com a chamada “guerra do lixo” de Nápoles, um sector controlado pela máfia. “No entender deste tribunal, o post é uma indisfarçável crítica a Américo Nunes [antigo vice-presidente da câmara] e à sua intervenção em alguns assuntos da gestão municipal, especialmente no domínio do lixo. Critica que é inteiramente compatível com a liberdade de expressão”, sustentam os juízes desembargadores.

Relativamente às fotomontagens realizadas pelo blogger, a Relação de Coimbra considerou que “estava vedada” ao tribunal tomá-las em consideração. “As imagens que constam de folhas 416 e 417 só poderiam servir de base à condenação do réu se estivesse provada a publicação delas pelo réu no seu blogue. Sucede que esta questão não está verificada”, escrevem os juízes. Uma das fotomontagens em causa foi publicada em Março de 2013, já depois da propositura da acção, e a outra, divulgada ainda antes desta, em Setembro de 2012, mas sem que Ruas tenha alegado que a dita imagem ofendiam a sua honra e reputação.

Quanto aos comentários, a Relação separa os que visam directamente Fernando Ruas dos que visam outros membros do seu executivo ou a própria autarquia. E diz que, neste processo, apenas podem ser analisados os que dizem respeito ao antigo presidente da Câmara de Viseu, restringindo assim os comentários que devem ser analisados. “É inegável, no nosso entender, que os comentários em causa contendem com o direito ao bom nome e à reputação do autor, pois alguns deles contêm insinuações de que o autor se serviu do cargo de presidente da câmara para beneficiar a família, dando-lhe emprego na câmara ou favorecendo-os nos concursos públicos, para beneficiar amigos”, lê-se na decisão da Relação. E acrescenta-se: “Mas se isto é certo, também é certo que os comentários em causa têm relação com a actuação política do autor enquanto presidente da câmara municipal e versam sobre assuntos de interesse público e, no nosso entender, o que eles exprimem verdadeiramente é a percepção dos respectivos autores sobre a governação do autor à frente da Câmara de Viseu”.

Os juízes continuam sustentando que “ainda que esta percepção seja infundada e que o juízo crítico sobre a governação do autor seja injusto”, cabem, no seu entendimento, “inteiramente dentro do exercício da liberdade de expressão”, especialmente, quando, como no caso, “esses comentários visam o exercício de relevantes funções públicas". Comparando estes comentários ao índice de percepção da corrupção, que não serve para medir o fenómeno, mas apenas a forma como os cidadãos o percepcionam. “Também os comentários em causa devem ser vistos como a percepção que alguns cidadãos tinham do exercício do cargo pelo autor. Ora a publicação destas percepções, ainda que levem a questionar o bom nome e a reputação dos visados, não pode deixar de estar garantida pela liberdade de expressão”, defendem os desembargadores. “Se retirássemos aos cidadãos o direito de expressar livremente a sua percepção sobre a forma como são exercidos os cargos públicos, estaríamos a prejudicar seriamente a melhoria e o desenvolvimento da sociedade”, concluem. 
 

Crime de difamação qualificada arquivado
Além de intentar uma acção cível, Fernando Ruas fez em Março de 2013 uma queixa-crime contra o blogger Fernando Figueiredo, que levou o Ministério Público de Viseu a acusar em Novembro do ano passado o coronel na reserva de um crime de difamação agravada. Em causa, segundo a acusação, estariam comentários anónimos publicados no blogue Viseu, Senhora da Beira que apelidavam o antigo autarca de “roto” e foram considerados ofensivos da honra de Ruas.

No pedido de abertura de instrução, o advogado do blogger alertava para um “erro de facto ostensivo” na acusação, já que na realidade os comentários não tinham sido publicados no blogue, mas no Jornal de Notícias. O bloguer apenas reproduzia um printscreen, ou seja, uma imagem do ecrã de computador, mostrando os comentários publicados no Jornal de Notícias, dando conta num texto intitulado Dois pesos, duas medidas, que analisava a conduta de Ruas em relação ao blogger. Na realidade Fernando Figueiredo até tinha denunciado os ditos comentários, considerando-os execráveis, o que foi relevado pela juíza de instrução que decidiu esta semana não levar o blogger a julgamento.

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