O segundo maior carrilhão itinerante do mundo vai dar música pelo país

Estrutura com 63 sinos e 15 toneladas custou 350 mil euros e funciona num camião.

Foto

Os carrilhões são estruturas complexas e com custos de instalação bastante elevados. Talvez por isso, Portugal não tem muita tradição neste domínio. Depois do carrilhão do Convento de Mafra (século XVIII) e do carrilhão da Torre dos Clérigos no Porto, foi já em meados da década passada que a nova Igreja dos Pastorinhos de Alverca foi dotada com o terceiro carrilhão português. Por detrás dessa opção esteve, já nessa altura, a família Elias, residente nesta cidade ribatejana. As duas filhas de Alberto Elias, Ana e Sara, tinham feito formação superior em carrilhão na Bélgica e a sua disponibilidade ajudou a desenvolver a ideia.

Ao mesmo tempo, a família começou a desenhar o projecto de criar em Portugal um dos maiores carrilhões itinerantes do mundo, com o objectivo de divulgar mais as potencialidades deste “instrumento” musical, de o levar a todos os pontos do país e de formar mais carrilhanistas. Já em 2004, o projecto foi distinguido com o Prémio Milénio (promovido pela cerveja Sagres e pelo Expresso) mas, desde então, foi precisa muita persistência para ultrapassar os mais variados obstáculos e concretizar a ideia.

Na tarde do passado domingo, o “Lvsitanus” passou, finalmente, a fronteira vindo da Holanda e entrou em Portugal instalado num camião conduzido por Alberto e por Ana Elias. A recepção, em Marvão, foi festiva e emocionada, mais ainda porque a primeira peça tocada pelo primeiro carrilhão itinerante português foi exactamente o hino nacional. São 63 sinos com um peso bruto total de 15 toneladas. O maior, com 1, 40 metros e cerca de 1300 quilos, permite tocar os sons mais graves e interpretar quase todas as peças escritas para carrilhão. A sua dimensão ajuda, também, a que este “Lvsitanos” seja considerado o segundo maior carrilhão itinerante do mundo.

A viagem até Constância, onde está instalada a sede da associação CICO (Centro Internacional do Carrilhão e do Órgão), foi já acompanhada por uma comitiva alargada. E vai ser exactamente nesta que é conhecida como “Vila Poema” do alto Ribatejo que se vai desenvolver, de 16 a 18 de Maio, um programa muito alargado de inauguração do “Lvsitanus”.

Remar contra a maré
“Foi muito duro e foi preciso, muitas vezes, remar contra a maré. Houve alturas em que a vontade era desistir, porque as contrariedades foram muitas. Mas conseguimos e é muito bonito agora podermos dizer presente”, confessa Ana Elias, directora da CICO, admitindo que este percurso de mais de 10 anos defrontou-se com muitas “incompreensões”, talvez porque as pessoas conhecem pouco as potencialidades dos carrilhões. “O primeiro grande passo foi a atribuição do Prémio Milénio (50 mil euros), mas era preciso arranjar o dinheiro que faltava. Tentámos patrocínios, conseguimos alguns, mas aos poucos. Depois, tentámos criar uma fundação, fizemos escritura e tudo, mas foi recusada pelo Conselho de Ministros, porque não tínhamos património monetário para constituir uma fundação”, recorda Ana Elias, explicando que contaram sempre com muito apoio da Câmara de Constância e que a seguir tentaram candidatar o projecto a um financiamento comunitário. Mas o processo demorou, porque era preciso constituir uma associação.

Nasceu, assim, a CICO, constituída formalmente em 2012, tendo como primeiro objectivo a aquisição de um carrilhão itinerante que “faça chegar a música dos sinos a todos os cantos de Portugal e do resto do Mundo” e como segunda vertente principal o ensino da música e das técnicas do carrilhão e do órgão. Já no final de 2012, o projecto foi aprovado por um programa comunitário, que comparticipa em 200 mil euros (73, 5%) a componente sinos e estrutura de suporte, que tem um custo total de 269 mil euros. Mas o carrilhão itinerante exige, ainda, um camião e uma plataforma (não financiados), o que significa que o custo total ronda os 350 mil euros. Para conseguir o valor em falta foi contraído um empréstimo. Entretanto, foi lançado um concurso internacional e os 63 sinos começaram a ser fabricados na Holanda, parte deles com o nome de empresas e de particulares que quiseram ajudar.

A CICO comprou, então, um camião usado em Alverca e adaptou o atrelado a estas funções. Mas, a família Elias percebeu que a associação não teria condições para contratar um motorista. E Alberto e Ana enfrentaram um novo desafio: tirarem a carta de pesados para serem eles próprios a conduzir este segundo maior carrilhão do Mundo. No dia 2 de Maio, partiram, pai e filha, em direcção à Holanda. Carregaram o carrilhão e reentraram em Portugal no dia 10.

“No início, não estávamos a pensar que fosse o segundo, o primeiro ou o terceiro maior do mundo. Desenvolvemos o projecto com o objectivo de permitir uma grande variedade de reportório e depois há um gosto muito especial por estas coisas. O sino grande é que permite fazer as notas graves e permite executar todo o tipo de músicas escritas para carrilhão. É também esse sino com cerca de 1, 4 metros de altura e 1300 quilos de peso que faz com que este seja o segundo maior carrilhão itinerante do Mundo”, sublinha Ana Elias, frisando que a família sempre acreditou no projecto, apesar das inúmeras dificuldades.

Programa inaugural de três dias
A inauguração formal do “Lvsitanus” está marcada para as 16h00 de sábado, mas no concelho de Constância haverá três dias de actividades ligadas ao projecto, boa parte delas promovendo a interactividade do carrilhão com grupos musicais locais. No primeiro dia, os três alunos de carrilhão que já frequentam as aulas da CICO terão oportunidade de mostrar os seus conhecimentos. E haverá, também, peças interpretadas em conjunto com grupos de percussão e de música medieval e com a Banda Filarmónica de Montalvo. “É um projecto multifacetado e queremos mostrar a versatilidade deste instrumento”, frisa Ana Elias.

Ao fim da tarde será o director da Escola de Carrilhão de Mechelen (Bélgica) a dar um concerto. No domingo haverá mais dois concertos e um piquenique “temperado” com música de carrilhão. Na segunda-feira, Máximo Ferreira (director do Centro Ciência Viva e ex-presidente da Câmara de Constância) fará uma palestra sobre o “Lvsitanus”, a astronomia e a simbologia dos sinos e haverá uma apresentação de métodos de ensino de carrilhão.

Depois desta jornada inaugural, o segundo maior carrilhão do Mundo estará disponível para percorrer o País e, nesse sentido, a CICO já estabeleceu contactos com todas as câmaras municipais portuguesas.

Os números do carrilhão itinerante
Sinos – 63
Peso total – 15 toneladas
Investimento – 350 mil euros
Sino mais pequeno – 4, 8 quilos
Sino mais pesado – 1 353 quilos
Bronze utilizado nos sinos – 7200 quilos

Sugerir correcção
Comentar