O “Acordo Ortográfico” de 1990 não é obrigatório a partir de 13 de Maio de 2015

O prazo de transição terminará somente em 22 de Setembro de 2016.

O presente escrito versa sobre uma questão jurídica, que pode ser formulada do seguinte modo:

Quando se iniciou e quando terminará o chamado “prazo de transição” do “Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90) (sendo que este último é aplicável por via da ratificação do 2.º Protocolo Modificativo, ocorrida em 29 de Julho de 2008)?

1.

Um preceito do Decreto de ratificação do Presidente da República de 2008 [1] impõe uma reserva ao Tratado do 2.º Protocolo Modificativo ao AO90, uma restrição a esse compromisso internacional [2], determinando um prazo de “seis anos”.

2.

Esse “prazo de transição” conta-se a partir de quando?

O Governo realizou o depósito da ratificação tardiamente, em 13 de Maio de 2009.

Porém, esse acto de depósito não chegou a ser publicitado atempadamente no “Diário da República”, como a Constituição inequivocamente exige [3].

A falta de publicação gera a ineficácia do acto de depósito na ordem jurídica interna (cfr. art. 119.º, n.º 2, da Constituição). Isto é, por outras palavras, o AO90, por força do 2.º Protocolo Modificativo,

não entrou em vigor na ordem jurídica interna em 13 de Maio de 2009

.

O aviso de tal depósito, reproduzindo o Decreto presidencial n.º 52/2008, apenas foi publicado em

17 de Setembro de 2010

; isto é, volvido 1 ano, 4 meses e 4 dias após a data do depósito [4].

3.

As questões que se colocam são as de saber:

i) A partir de que momento Portugal se encontra vinculado internacionalmente a iniciar o prazo de transição inerente ao Tratado?;

ii) A partir de que momento o prazo de transição deve começar a ser contado?

3.1.

Estas duas questões não têm necessariamente a mesma resposta.

Com efeito, uma coisa é o depósito do Tratado. Aqui, um tratado pode dispor que entrará em vigor logo que as entidades negociantes se vinculem [5].

Diferente é saber a partir de que momento o “prazo de transição” do Tratado, que está em vigor na ordem jurídica interna portuguesa, deverá começar a ser contado.

No caso em presença e quanto ao início de contagem do prazo de transição, não tem de haver necessariamente uma lógica combinatória entre o momento de entrada em vigor na ordem internacional e o momento de entrada em vigor na ordem jurídica interna.

O que interessa verdadeiramente saber é a partir de quando o “prazo de transição” começa a contar: i) se é com o depósito; ii) ou se é após a publicação de tal acto de depósito em “Diário da República”, acrescidos dos 5 dias de “vacatio legis”.

4.

A data de vinculação ao Tratado e a da realização do depósito não têm necessariamente que ver com a data do prazo de transição, que foi previsto por uma reserva ao Tratado.

Apesar de o 2.º Protocolo Modificativo se encontrar publicado, não é de todo indiferente para os particulares que tenham conhecimento da data em que o depósito foi realizado; o que só pode ocorrer a partir da data da publicação.

Com efeito, o início de vigência do prazo de transição contende directamente com os direitos dos cidadãos portugueses, que obviamente são particulares necessariamente interessados na

previsibilidade do Direito,

que, frise-se, só através da publicidade[6] pode ser alcançada.

Ora, os cidadãos só podem ter conhecimento efectivo da data do início da entrada em vigor a partir da data de publicação em “Diário da República”, acrescidos os 5 dias de “vacatio legis”.

A data do depósito do Tratado não coincide, pois, com a data de início de contagem do prazo de transição, para efeitos internos. Dever-se-á, sim, recorrer às regras constitucionais relativas à publicação do Tratado, da reserva que lhe foi aposta e ao decurso do período da “vacatio legis”.

A data para efeitos de contagem do prazo de transição não poderá, pois, ser, pura e simplesmente, a data do depósito.

Com efeito,

o Estado Português não poderá invocar o “prazo de transição”, que não foi objecto de publicação, contra os cidadãos que poderiam ficar prejudicados

[7].

Não estando o depósito do 2.º Protocolo Modificativo do AO90 devidamente publicitado [8], pergunta-se: como é que as pessoas se iriam orientar pelo disposto no Tratado e “beneficiar” plenamente do prazo de transição de 6 anos?

Assim, é forçoso concluir que o depósito do Tratado terá de ter sido publicado, para que o “prazo de transição” tenha sido iniciado.

5.

Ora, se assim é, o prazo de transição não pode ser contado a partir do depósito; diferentemente da interpretação oficial do Estado [9].

6.

Durante o “prazo de transição”, as grafias do Português europeu e as decorrentes do AO90 são legítimas, do ponto de vista do Direito positivo, sem prejuízo de ter ocorrido uma antecipação do final do “prazo de transição” em largos domínios do Estado-poder e do sistema educativo, aliás inconstitucionalmente [10].

7.

Assim, do exposto, retiramos duas conclusões:

1.ª conclusão

- O prazo de transição começou a contar a partir da entrada em vigor do 2.º Protocolo Modificativo na ordem jurídica interna, que é a contada a partir da publicação, somados os 5 dias de “vacatio legis”.

Portanto, o prazo de transição iniciou-se em 22 de Setembro de 2010 (e não em 3 de Agosto de 2008, 5 dias após a publicação da Resolução n.º 35/2008 no “Diário da República” e do Decreto presidencial n.º 52/2008, que procedeu à ratificação, em 29 de Julho de 2008; nem tão-pouco após a data do depósito, realizado em Maio de 2009 [11]; nem no início do ano de 2016, pois não perfaz a totalidade dos seis anos [12]).

2.ª

O prazo de transição terminará somente em 22 de Setembro de 2016

[13].

8.

Destarte, há mais tempo pela frente do que a data de 13 de Maio de 2015, antes de nos depararmos com o cenário de “democracia totalitária”, verdadeiramente orwelliano, de imposição de uma “novilíngua” [14].

Cito a passagem a que me refiro:

Previsão da norma:

a ortografia constante de novos actos, normas, orientações, documentos ou de bens referidos [actos, normas (…) ou documentos provenientes de entidades públicas] (…) ou que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação, independentemente do seu suporte,

Estatuição (consequência jurídica):

deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.” [15].

8.1.

As normas que se extraem deste preceito e do Anexo I do AO90 (Bases) padecem de inconstitucionalidades totais:

a) São organicamente inconstitucionais, por usurpação da “reserva de sociedade civil” e do Costume como fonte principal de regulação da ortografia; isto é, por o Estado não deter a atribuição de regular a ortografia da Língua Portuguesa a título principal. Porventura, poder-se-á equacionar aqui a violação de reserva de Constituição, por invasão do espaço reservado ao à função constituinte (poder constituinte).

Concomitantemente, há inconstitucionalidades materiais conexas, por violação da proibição de dirigismo/programação estadual sobre a cultura e sobre a educação segundo quaisquer directrizes políticas, ideológicas ou estéticas (artigo 43.º, n.º 2, da CRP); por a dignidade da pessoa humana anteceder o Estado-poder e a “vontade popular”, emitida pelos órgãos de soberania (cfr. artigo 1.º da Constituição).

b) Há ainda inconstitucionalidades materiais totais:

- Por violação do direito ao desenvolvimento da personalidade (inscrito no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e já antes da Revisão Constitucional de 1997 parte da Constituição formal Portuguesa, por via do artigo 29.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável a título de integração de lacunas, “ex vi” artigo 16.º, n.º 2, da CRP), na vertente da liberdade geral de acção;

- Por violação do património cultural imaterial da Língua Portuguesa (cfr. artigo 78.º, n.º 1, da Constituição);

- Por violação do valor da estabilidade ortográfica, refracção do princípio da segurança jurídica (cfr. artigo 277.º, n.º 1, 2.ª parte).

Há também várias outras inconstitucionalidades materiais parciais de normas do Tratado do AO90 (remetemos para um escrito que as enuncia sucintamente [16]).

 

* Intervenção parcial no Fórum “Pela Língua Portuguesa, diga NÃO ao «Acordo Ortográfico» de 1990” (Organização de MARIA CRISTINA PIMENTEL / HELENA BUESCU / TERESA CADETE), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 14 de Abril de 2015.

[1] O art. 2.º, n.º 2, do Decreto presidencial n.º 52/2008, de 29 de Julho.

[2] Embora sob a capa de uma “declaração interpretativa”; qualificação jurídica essa que não vincula o intérprete (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969 (CVDT)).

Reproduzimos o preceito do art. 2.º, n.º 2, do Decreto presidencial n.º 52/2008, de 29 de Julho:

No prazo limite de seis anos após o depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a ortografia constante de novos actos, normas, orientações, documentos ou de bens referidos no número anterior ou que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação, independentemente do seu suporte, deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.”.

Sendo na realidade, materialmente, uma “reserva”, a falsa “declaração interpretativa” fica simplesmente sujeita ao regime aplicável às reservas (neste sentido, EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, I, 1.ª ed., Lex, Lisboa, 1998, pg. 192).

[3] Julga-se ser aplicável o artigo 119.º, n.º 1, alínea b), bem como a “ratio” do princípio da publicidade dos actos do Estado.

O princípio da publicidade dos actos do Estado é uma decorrência do princípio do Estado de Direito e da garantia da protecção jurídica efectiva (ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A recusa de aplicação de regulamentos pela Administração com fundamento em invalidade. Contributo para a Teoria dos regulamentos, diss., Almedina, Coimbra, 2012, pg. 175, com referências).

A publicidade das disposições, das quais resultam normas, encontra-se associada quer ao princípio do Estado de Direito (aliando, neste horizonte, a publicidade das normas à previsibilidade e à proibição do arbítrio), quer ao princípio democrático (SOPHIE OLDENBURG, Die Öffentlichkeit der Rechtsnormen, diss., Duncker & Humblot, Berlim, 2009, pp. 148 ss., 168 ss., apud ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A recusa de aplicação de regulamentos pela Administração com fundamento em invalidade. Contributo para a Teoria dos regulamentos, diss., Almedina, Coimbra, 2012, pg. 175 (nota 502)).

[4] Aviso n.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros:

Por ordem superior se torna público que tendo a República Federativa do Brasil e a República de Cabo Verde procedido, em 12 de Junho de 2006, ao depósito dos instrumentos de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado em São Tomé e Príncipe em 25 de Julho de 2004, e tendo a República Democrática de São Tomé e Príncipe efectuado o respectivo depósito em 6 de Dezembro de 2006, o referido Acordo do Segundo Protocolo Modificativo entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2007, nos termos dos seus artigos 1.º e 3.º, que alteraram o artigo 3.º do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1).

Por parte de Portugal, o Acordo do 2.º Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, ambos publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 145, de 29 de Julho de 2008 (2). O depósito do respectivo instrumento de ratificação foi efectuado em 13 de Maio 2009 (3), tendo o referido Acordo entrado em vigor para Portugal nesta data (4).

Direcção-Geral de Política Externa, 13 de Setembro de 2010. — O Director-Geral, Nuno Filipe Alves Salvador e Brito.” (in Diário da República, 1.ª série, n.º 182, 17 de Setembro de 2010, pg. 4116, sublinhado nosso).

A frase sublinhada encontra-se incorrecta.

[5] Cfr. EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, volume I, 1.ª ed., Lex, Lisboa, 1998, pg. 223.

[6] O princípio da publicidade dos actos do Estado é uma decorrência do princípio do Estado de Direito e da garantia da protecção jurídica efectiva (ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A recusa de aplicação de regulamentos pela Administração com fundamento em invalidade. Contributo para a Teoria dos regulamentos, diss., Almedina, Coimbra, 2012, pg. 175, com referências).

A publicidade das disposições, das quais resultam normas, encontra-se associada quer ao princípio do Estado de Direito (aliando, neste horizonte, a publicidade das normas à previsibilidade e à proibição do arbítrio), quer ao princípio democrático (SOPHIE OLDENBURG, Die Öffentlichkeit der Rechtsnormen, diss., Duncker & Humblot, Berlim, 2009, pp. 148 ss., 168 ss., apud ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, A recusa de aplicação de regulamentos pela Administração com fundamento em invalidade. Contributo para a Teoria dos regulamentos, diss., Almedina, Coimbra, 2012, pg. 175 (nota 502)).

[7] Cfr., sem prejuízo de se referir à publicação em geral, EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, I, 1.ª ed., pg. 381.

[8] Ao exposto não obsta que a Resolução da AR n.º 35/2008 tenha sido publicada (quer no Diário da Assembleia da República, quer no Diário da República, 1.ª Série, n.º 145, 29 de Julho de 2008, pgs. 3802-4803, pois a Resolução parlamentar é um acto meramente interlocutório no âmbito do procedimento de vinculação do Estado Português e não vincula o nosso Estado; pois, como é pacífico na Doutrina, o acto de ratificação do PR é livre, não obrigatório.

O problema é que houve um esquecimento em relação ao Decreto presidencial que procedeu à ratificação do 2.º Protocolo, diploma esse que não se encontra publicado em 2008.

[9] Cfr., em sentido contrário, art. 2.º, n.º 2, do Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho; e o 2.º parágrafo do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros; bem como declarações políticas orais.

[10] É verdade o Estado antecipou o final do “prazo de transição” em 5 anos para todo o sistema de ensino, para a Administração Pública (directa, indirecta e autónoma); e em 4 anos e 9 meses para o “Diário da República”, através de um regulamento administrativo – a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, emitida pelo XVIII Governo Constitucional, chefiada por JOSÉ SÓCRATES, e continuada a ser “aplicada” pelo XIX Governo Constitucional, liderado por PEDRO PASSOS COELHO.

Tal regulamento administrativo, porém, padece de múltiplas inconstitucionalidades totais e parciais – v. IVO MIGUEL BARROSO, Inconstitucionalidades orgânica e formal da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que mandou aplicar o ‘Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa’ à Administração Pública e a todas as publicações no “Diário da República”, a partir de 1 de Janeiro de 2012, bem como ao sistema educativo (público, particular e cooperativo), a partir de Setembro de 2011. Inconstitucionalidades e ilegalidades ‘sui generis’ do conversor ‘Lince’ e do ‘Vocabulário Ortográfico do Português’, in O Direito, 2013, I / II, pgs. 93-179; A segunda parte tem o mesmo título, com a menção final “[Conclusão]”, in O Direito, 2013, III, pgs. 439-522.

As conclusões do estudo constam de Súmula sobre as inconstitucionalidades orgânicas, materiais e formais da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que mandou aplicar o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” à Administração Pública e a todas as publicações no “Diário da República”, a partir de 1 de Janeiro de 2012, bem como ao sistema educativo (público, particular e cooperativo), a partir de Setembro de 2011. Inconstitucionalidades e ilegalidades “sui generis” do conversor “Lince” e do “Vocabulário Ortográfico do Português”, Janeiro de 2014, versão “on line, in Portal Verbo Jurídico.

Para uma síntese em articulados, v.  IVO MIGUEL BARROSO / FRANCISCO RODRIGUES ROCHA, Guia jurídico contra o “Acordo Ortográfico” de 1990. Fundamentação jurídica relativa às inconstitucionalidades do “Acordo Ortográfico” de 1990; da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro; do conversor “Lince” e do “Vocabulário Ortográfico do Português”; e diplomas neles baseados, 19 de Novembro de 2014,(…), in PÚBLICO online, pgs. 100-106. Disponível também para “downloadaqui.

[11] Diversamente do que o Aviso n.º 255/2010, de 13 de Setembro (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Setembro de 2010), refere, aliás, inconstitucionalmente, por violação do art. 119.º, n.º 2, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo (com essa opinião, porém, JOEL TIMÓTEO RAMOS PEREIRA, Os Tribunais e o Acordo Ortográfico, 4 de Junho de 2013, in Expresso.

[12] Em sentido diverso, considerando que o AO90 entra plenamente em vigor na ordem jurídica portuguesa a partir de 1 de Janeiro de 2016, JOEL TIMÓTEO RAMOS PEREIRA, Os Tribunais e o Acordo Ortográfico, 4 de Junho de 2013, in Expresso.

[13] Também com esta conclusão, cfr. JOÃO ROQUE DIAS, NOTA 26 - A entrada em vigor do acordo ortográfico – 20 argumentos para 1 resposta; reproduzido no Ciberdúvidas.

Em sentido contrário, considerando que a data que contaria para efeitos de entrada em vigor do AO90, na ordem jurídica interna portuguesa, seria a data do depósito de ratificação (13 de Maio de 2009), findando o prazo de transição em 13 de Maio de 2015, Envio de a[c]tos para publicação, “Diário da República Ele[c]trónico”, Nota preambular, 2.º parágrafo; Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), Guia do Acordo Ortográfico, Ministério da Cultura / Ministério da Educação, Lisboa, [A]gosto de 2011 (versão revista da primeira edição, de [M]aio de 2011), edição digital.

Também nesse sentido, o Projecto da Deliberação parlamentar de 15 de Dezembro de 2010, elaborada pelo Presidente da Assembleia da República: “a Assembleia da República está vinculada a aplicar o Acordo Ortográfico entre o passado dia 17 de Setembro e 13 de Maio de 2015” (citado na notícia “Jaime Gama quer novo Acordo Ortográfico a partir de 2012”, jornal Sol, 30 de Novembro de 2010.

Porém, no Preâmbulo da Deliberação n.º 3-PL/2010, de 15 de Dezembro (“Implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa na Assembleia da República”), Preâmbulo, 3.º a 6.º parágrafos, o raciocínio explanado é contraditório, pois alude ao Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 17 de Setembro de 2010:

Considerando que, de acordo com a referida resolução da Assembleia da República, as disposições do Acordo Ortográfico devem ser aplicadas em Portugal num prazo limite de seis anos após o depósito do instrumento de ratificação do Segundo Protocolo Modificativo;

Considerando que, em 17 de Setembro de 2010, foi publicado em Diário da República o Aviso n.º 255/2010, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dando conta do depósito do instrumento de ratificação por Portugal em 13 de Maio de 2009;

Considerando que aquele depósito passou a ser juridicamente relevante com a publicação do respectivo aviso de ratificação no Diário da República, como decorre das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 74/98, de 24 de Agosto (Lei formulário);

Considerando que, nos referidos termos, a Assembleia da República está vinculada a aplicar o Acordo Ortográfico até 13 de Maio de 2015, data limite que resulta do artigo 2.º, n.º 2, da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008” (in Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 55, de 22 de Dezembro de 2010, XI Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa (2010/2011), pg. 2).

A passagem citada (“Considerando que, em 17 de Setembro de 2010, foi publicado em Diário da República o Aviso n.º 255/2010, do Ministérios dos Negócios Estrangeiros, dando conta do depósito do instrumento de ratificação por Portugal em 13 de Maio de 2009;”) contém uma contradição:

O trecho refere que depósito, efectuado em 13 de Maio de 2009, não releva.

Porém, já relevaria a partir do momento em que houvesse publicação “a posteriori” do mesmo.

Ora, como é sabido (salvo nas leis interpretativas, no que concerne a actos legislativos), a publicação não tem, nem pode ter, neste caso, eficácia retroactiva.

Portanto, tendo sido publicado em 17 de Setembro de 2010, o depósito não pode retroagir os seus efeitos a uma data anterior à data da publicação e entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa do documento objecto de publicação.

[14] Cfr. GEORGE ORWELL, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro [rectificação do título da tradução, que é 1984] (original: “Nineteen Eighty-Four” 1.ª ed., 1949), trad. de ANA LUÍSA FARIA, Antígona, Lisboa, 2007, Apêndice, pgs. 301-315 (“Os princípios da Novilíngua”); Primeira Parte, 5, pgs. 53-59; para além de outras referências esparsas ao longo da Obra.

ORWELL contrapõe a “novilíngua” à “velhilíngua” (que seria o Inglês clássico); havendo um período de transição, em que só pessoas “peritas” se encontravam habilitadas a escrever e a falar em novilíngua.

Esperava-se que em meados do século XX a novilíngua destronasse a “velhilíngua”.

Curiosamente, GEORGE ORWELL falhou em parte na sua previsão: não foi no Inglês que alterações à escrita e à fala foram feitas, mas sim noutras línguas, tais como o Português, de que é exemplo a Reforma ortográfica do AO90 (sendo que incide, específica e directamente, sobre a ortografia, e não sobre o léxico (ou vocabulário) e semântica.

[15] Artigo 2.º, n.º 2, do Decreto presidencial n.º 52/2008.

[16] IVO MIGUEL BARROSO / FRANCISCO RODRIGUES ROCHA, Guia jurídico contra o “Acordo Ortográfico” de 1990. Fundamentação jurídica relativa às inconstitucionalidades do “Acordo Ortográfico” de 1990; da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro; do conversor “Lince” e do “Vocabulário Ortográfico do Português”; e diplomas neles baseados, 19 de Novembro de 2014, in Público” “on line, pgs. 100-106.

Jurista

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