Atrás de um bacalhau há ciência

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Agora que já aconteceu parece uma notícia velha: o Presidente português foi à Noruega falar de ciência e biotecnologia e não de bacalhau.

Cavaco Silva não visitou uma única fábrica de cortar bacalhau. Nem uma empresa de exportação. Não escapou mesmo assim à terceira fotografia da sua vida política com um bacalhau na mão. Surpreendido com a entrada do bicho na sala, fez o que qualquer um faria: agarrou-o com as duas mãos e posou para os fotógrafos. Mas atrás deste “bacalhau da Noruega” está uma história diferente da que havia para contar em 2010 e mais ainda em 1980, ano da primeira fotografia.

Para os noruegueses, foi uma bela jogada de marketing. Ter a promover o seu produto o chefe de um mercado de dez milhões de clientes custaria, noutras circunstâncias, algum dinheiro. A Noruega exporta oito mil milhões de euros em peixe por ano, uma boa parte da qual em bacalhau. Oito mil milhões é duas vezes o valor da nossa economia do mar.

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A Noruega exporta oito mil milhões de euros em peixe por ano. O salmão está em primeiro lugar e logo a seguir o bacalhau Enric Vives-Rubio

Para os portugueses, foi um momento de gelo. Não era esta a fotografia que Belém queria. Velho Portugal versus novo Portugal. Mas a fotografia de Cavaco a segurar um bacalhau acabou por não ser necessariamente má. Ajudou a sublinhar o que o país avançou em 35 anos. Agora, a visita foi de “diplomacia científica” e o Presidente disse que quer contribuir para a “irreversibilidade da agenda do mar” na vida política portuguesa. Não sabemos o que vai acontecer. Sabemos que, como a língua, o mar ainda é um futuro adiado. Também sabemos que os avanços são imensos. E que a visita de Cavaco à Noruega não tinha dez objectivos, mas um único: deixarmos de ser “os que compram bacalhau” para passarmos a ser aliados na “economia azul”. Cavaco falou em biotecnologia marinha e em negócios do pescado. O mundo de possibilidades desta nova aliança é maior. A Noruega é forte em infra-estruturas, Portugal é forte em oceanografia e tem uma diversidade marinha rara. Juntos têm ambientes extremos, do Árctico às fontes hidrotermais. Falta uma coisa essencial: o dinheiro para pôr programas conjuntos em pé. Dizer que há uma estratégica comum não basta. Queremos estudar as enzimas das bactérias e criar novos produtos económicos? Vai ser preciso dinheiro. Queremos estudar as formas de vida da crista média do Atlântico? Vai ser preciso dinheiro. Queremos candidatar-nos em conjunto ao programa 2020? Vai ser preciso dinheiro. Para esta parceria tornar o mar num assunto irreversível, vão ser precisos mais alguns golpes de rim.

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