SMS: Sou mini-Sócrates

António Costa desiludiu-me. Uma sms intimidatória a um jornalista era o que esperaria de José Sócrates, em 2007. De António Costa, em 2015, estava à espera de uma coisa mais moderna. Como um snapchat atrevidote: uma foto que se apagasse em cinco segundos, para não dar tempo a João Vieira Pereira de a gravar e deixá-lo na dúvida: “Querida, ou recebi uma foto do António Costa em cuecas a fazer-me um manguito, ou a nossa empregada achou uma forma grotescamente criativa de nos pressionar a comprar um ar condicionado para a cozinha.”

Felizmente, António Costa preferiu deixar lavrada a sua indignação sobre a crítica de João Vieira Pereira. O que nos permite analisá-la com minúcia. Não a nível político, já estafado, mas no sentido literário. É que, como todos já repararam, a Mensagem de António Costa é uma revisitação da Mensagem de Fernando Pessoa. Uma adenda, digamos. Onde a Mensagem de 1934 trata do passado glorioso de Portugal, a de 2015 dá ideia do que o futuro pode ser. Pessoa escreve com o 5.º Império em mente, António Costa conversa como quem está na tasca a beber a 5.ª imperial.

António Costa é um poeta mais económico com as palavras do que com o dinheiro dos contribuintes. Mas, mesmo escassas, são prenhes de significado e aludem directamente à obra pessoana. Para começar, o saudosismo de “Brasão” está presente. Só que, em lugar de figuras históricas fundacionais, estão jornalistas de antanho: “Em tempos, o jornalismo foi uma profissão de gente séria.” Cotejados com os gigantes de outrora (Fernão Lopes? Fernando Pessa?), os plumitivos hodiernos são indignos pigmeus. A ver pela tíbia reacção da classe jornalística à sms, talvez seja verdade.

Há também a glorificação da expansão. Não da expansão marítima, como em Mar Português, mas da expansão do próprio António Costa, que extravasa os limites de um líder partidário para áreas novas, como a direcção editorial, o acinte malcriado e o hooliganismo.

Quando, adiante, António Costa pergunta: “Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem nem conhece?”, a resposta parece implícita: “El-Rei D. João II!” O que faria de António Costa, numa primeira leitura, o Adamastor.

Numa segunda análise, porém, a admissão de que não é conhecido remete antes para o Encoberto. Escondido pelo nevoeiro do silêncio, este D. Sebastião revela-se agora: “Nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito.” Finalmente, António Costa apresenta um pensamento que não deixa dúvidas. No entanto, trata-se de um D. Sebastião humilde: “Não vale a pena processá-lo”, é a modesta assunção da sua pequenez de alma. Se fosse grande, tudo valeria a pena, inclusive ir a tribunal.

Uma ideia de pequenez reforçada: “Envio-lhe este sms para que não tenha a ilusão.” Confere. É o fim da ilusão. Não só de João Vieira Pereira, mas de muitos portugueses.

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