Quer financiar o filme que Orson Welles nunca acabou? Nove euros já ajudam

Produtores que em Outubro compraram os direitos de The Other Side of the Wind lançam agora uma campanha de crowdfunding para que o filme possa chegar finalmente ao cinema.

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Orson Welles, à direita, in 1971, nas filmagens de The Other Side of the Wind com Oja Kodar e DR

Se tudo tivesse corrido como planeado, The Other Side of the Wind, um dos muitos filmes incompletos de Orson Welles e o último em que terá trabalhado, entre 1970 e 1976, tinha chegado às salas nesta quarta-feira, a tempo de marcar o centenário do realizador que morreu em 1985. Foi isso mesmo que em Outubro foi anunciado quando um acordo sobre os direitos da obra foi fechado. Mas ao que parece, terminar este filme está a ser tão difícil agora como foi na época para Welles. Se queremos ver o filme, temos de ajudar. É este o pedido dos produtores que lançaram nesta quinta-feira uma campanha de financiamento público.

Imaginem-se os seguintes cenários: “E se Mark Twain tivesse perdido um manuscrito – ou se Mozart tivesse perdido a partitura para uma Sonata final? – Ou se um livro perdido de poemas de Walt Whitman tivesse sido descoberto num sótão abandonado?”. O que fariam? “Não gostavam de ver a arte terminada?” A questão é lançada no Indiegogo pelos produtores Filip Jan Rymsza, Frank Marshall e Jens Koethner Kaul, da Royal Road Entertainment, que detêm os direitos do filme de Orson Welles. Foi em Outubro do ano passado os três chegaram a acordo com as partes envolvidas para a compra dos direitos do filme. 

Nesta campanha, os produtores contam ainda com o apoio de Peter Bogdanovich, uma das estrelas do filme, esperando angariar dois milhões de dólares (1,7 milhões de euros) em 40 dias (este tipo de financiamento colectivo obriga à estipulação de um prazo). Peter Bogdanovich tem lutado ao longo dos anos por terminar o projecto — uma promessa que fez a Orson Welles, antes de este morrer em 1985 de ataque cardíaco.

The Other Side of the Wind, com um elenco que incluía além de Bogdanovich, John Huston, Dennis Hopper, Claude Chabrol e Mercedes McCambridge, acompanha a festa do 75.º aniversário de Jake Hannaford, um cineasta ficcional interpretado por Huston e que Welles definiu como “um sacana de um realizador que cria as pessoas e as destrói”. “É um filme sobre nós”, terá dito o cineasta a Huston, embora tenha repetidamente negado essa componente autobiográfica.

Como se pode ler no Indiegogo, o dinheiro que se pede é para todo o processo de pós-produção a que o filme tem de ser submetido. Orson Welles acabou de o filmar mas nunca terminou a sua edição, na altura também devido a problemas de financiamento. Originalmente financiado com meios próprios, o realizador viu-se obrigado a recorrer a vários investidores para completar o filme. Não esperava era que um dos produtores fugisse com o dinheiro angariado. Welles que contava na altura com o apoio de um investidor iraniano viu também esse apoio tremer com a revolução persa. O dinheiro chegava mas aos poucos e não de forma certa. Conseguia apoios aqui e ali, procurava dinheiro com outros trabalhos, mas nunca o suficiente para que visse o filme terminado.

O New York Times chama-lhe hoje o filme mais famoso que nunca ninguém viu, uma obra épica de um dos maiores nomes do cinema.

“Acho que o Orson se divertiria por ter fãs capazes de contribuir para a finalização do filme”, disse ao New York Times Bogdanovich, lembrando que o realizador “não gostava muito de Hollywood”. O actor garantiu ainda o filme será finalizado de acordo com aquilo que Welles projectou. “Temos uma série de instruções – notas escritas à mão, por exemplo – mas é muito difícil explicar a estrutura [do filme].”

Ao mesmo jornal, Beatrice Welles, a filha do realizador e a sua única herdeira que durante muito tempo bloqueou o acesso a The Other Side of the Wind, disse que procurar financiamento do público é tão “anti-sistema” que lhe causa até “pele de galinha”. Não duvida de que o seu pai teria adorado a ideia.

Se tudo correr bem, os produtores esperam que o filme possa chegar às salas ainda em 2015, ano em que se marca o centenário de Orson Welles. “Ainda nem vimos tudo o que foi filmado”, disse ao New York Times Frank Marshall, que está no projecto desde a altura de Orson Welles. O produtor de filmes como Os Salteadores da Arca Perdida ou o próximo Jurassic World trabalhou desde o início em The Other Side of the Wind.

Se assim acontecer é o fim de uma saga que dura há décadas, nos últimos anos mais por causa de questões legais que envolviam os direitos da obra. Não tinha sido possível até agora chegar a um acordo por estes direitos serem partilhados por diferentes pessoas, além de Beatrice Welles e Oja Kodar, companheira de Welles e co-argumentista do filme, também a produtora parisiense Les Films de l'Astrophore, de Mehdi Boushehri, cunhado do xá do Irão Mohammad Reza Pahlavi, detinha parte – motivo, aliás, que manteve os materiais filmados armazenados em Paris.

Outra parte dos materiais estava, até agora, com Oja Kodar na Croácia, onde vive. Kodar autorizou em Outubro o uso destas filmagens. “Vêm para nós assim que for para avançar”, explicou Marshall.

Quanto aos materiais guardados em França, ali continuaram desde Outubro porque os produtores que garantiram os direitos do filme acharam melhor digitalizar os negativos de Paris e enviá-los para Califórnia, nos Estados Unidos. “Há cerca de um mês, mudámos de ideias. Tornou-se claro que não temos os recursos próprios em Paris para o fazer”, disse Jan Rymsza, explicando que em breve todo o material será reunido nos Estados Unidos. Também para isto serve parte do dinheiro que se quer angariar.

Das diferentes vezes que o PÚBLICO consultou o site da campanha de crowdfunding o valor angariado aumentou. Em nove horas, os produtores conseguiram já 17,3 mil dólares (cerca de 15,4 mil euros). As contribuições variam entre os dez dólares (aproximadamente nove euros) e os 50 mil dólares (44,4 mil euros). Como é habitual nestas campanhas, uma doação dá direito a uma recompensa. Com dez dólares é possível acompanhar o progresso do projecto através de actualizações dadas pela equipa do filme e quanto maior for o financimanento maior será também a recompensa. Há pósteres, fotogtrafias inéditas das filmagens, o filme em DVD quando estiver pronto, charutos, bilhetes para as estreias de Nova Iorque ou Los Angeles ou até as latas onde as fitas estiveram guardadas.

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