E se Steffon Armitage fosse convocado?

Pensar-se que é Stuart Lancaster quem decide sobre a sua convocação é ingénuo

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Stuart Lancaster escuta os clamores crescentes e convoca Steffon Armitage para o Campeonato do Mundo. Aproveitando o eclipse de Tom Wood e a inconsistência de James Haskell, Lancaster muda Robshaw para 6, mantém Vunipola a 8 e introduz Armitage a 7. A Inglaterra perde contra Gales e Austrália, ficando pela fase de grupos. Contribuindo decisivamente para as derrotas, uma “touche“ pedida para o terceiro saltador e recuperada por Warburton, devidamente seguida por pontapé para fora e fim de jogo, e uma falta atacante, no chão, com um Pocock acabadinho de entrar a roubar a bola. No dia imediatamente seguinte, Woodward acusa Lancaster de usar Armitage na posição errada, apontando para a baixa estatura da touche inglesa, e Eddie Butler do The Guardian diz que Tom Wood deveria ter começado de início.

 

A 1 de Novembro 2015, Cipriani, Brown, Tuilagi, Corbisiero, Lawes, Joseph, Ben Youngs e Hartley anunciam que assinaram com clubes franceses. A imprensa especula que mais 10 internacionais se seguirão no próximo ano, incluindo Maro Itoje e Elliott Daly.

 

Em Agosto de 2016, os clubes da Aviva Premiership fazem um ultimato à Rugby Football Union (RFU), exigindo a abolição do tecto salarial, que consideram responsável pelo êxodo em massa dos melhores talentos do pais. Aproveitam o embalo e ameaçam boicotar a época 2016-17 se a RFU não aceitar ainda a extinção do sistema de promoção e despromoção, que permite ao campeão do Championship aceder à Premiership, convidando Leeds, Bristol e Worcester a integrar o novo campeonato alargado e fechado, à americana. Desta forma, asseguram, os donos dos clubes poderão investir com segurança sem o espectro assustador da despromoção.

 

Em Abril de 2017, Rob Andrew (ou o seu substituto no cargo de Director do râguebi profissional) defende o “XV da rosa”, 4.º classificado no Torneio das Seis Nações, apontando o facto de 50% dos internacionais jogarem em França, estarem fatigados e menos disponíveis para as concentrações da selecção, notando ainda que a renovação da selecção foi dificultada pelo facto dos jovens jogadores ingleses não terem oportunidade de jogar na Premiership, estando limitados à LV Cup ou ao Championship.

 

Armitage, com 30 anos, jogou o seu último jogo pela selecção inglesa nas Seis Nações de 2016, depois de quatro aparições no Mundial de 2015, totalizando 10 internacionalizações.

 

O relato anterior é, como é fácil de entender, pura ficção. E contudo, representará muito fidedignamente os receios que afectam os dirigentes da RFU – relativamente à performance desportiva, mas sobretudo quanto ao impacto da chamada de um único jogador - que por sinal são os patrões de Stuart Lancaster.

 

Steffon Armitage joga nesta selecção inglesa de caras, inclusivamente de perna partida. Mas pensar-se que é Stuart Lancaster quem decide sobre a sua convocação, e que a mesma é na verdade uma questão de coerência pessoal face a uma suposta cultura de equipa, é ingénuo. A regra – tristemente redigida e convenientemente vaga – diz que em princípio jogam na selecção inglesa os que jogarem em Inglaterra, podendo o seleccionador convocar jogadores sedeados no estrangeiro em “circunstâncias especiais”. Woodward e o coro de críticos querem que Lancaster defina o que são essas especiais circunstâncias e que convoque Armitage. E Abendanon, também. Mas apontam ao alvo errado, propositadamente.

 


Foi triste ver Wood e Youngs assumir a defesa da decisão da RFU, como se fosse de Lancaster, em jeito de ultimato. Youngs referiu-se inclusivamente a jogadores que “caiem de paraquedas na equipa”; podemos então assumir que na visão de Youngs, Itoje ou Slade não estarão no Mundial, por nunca terem sido internacionais seniores... Não creio. Por se jogar em França perde-se a possibilidade de aderir aos princípios, valores e regras de conduta postergados pelo seleccionado inglês? Grande cultura esta, que treme com a chegada de um jogador apenas. Foi refrescante ver Drew Mitchell desmontar a farsa. Lancaster pode assumir a decisão. Fica-lhe bem e o patrão agradece. Mas ela nunca foi, nem será, verdadeiramente sua. E ainda bem, porque será um dirigente, e nunca um treinador, a ignorar a forma consistente e constante de Armitage nos últimos dois anos. 

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